segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

MOACYR SCLIAR


“Em termos de escrever, o meu método, ou mania, ou superstição consiste em não ter método, ou mania, ou superstição. Desenvolvi minha atividade literária paralelamente a uma intensa carreira médica (primeiro clínica, depois em saúde pública), escrevia quando podia, quando dava tempo. E isso podia acontecer em qualquer lugar: numa lanchonete, esperando a comida, num hotel, no aeroporto (o laptop ajudou muito). Não preciso de silencio, não preciso de solidão, não preciso de condições especiais – só preciso de um teclado. E ah, sim, de ideias (mas diante do teclado as ideias surgem).”

Moacyr Scliar (1937 — 2011)

(via Michel Laub)

*imagem: reprodução Daniel Aratangy - daqui.
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sábado, 26 de fevereiro de 2011

ÚLTIMAS DA FLIP 2011


Se você não leu as últimas notícias sobre a FLIP é bom saber que novos convidados já foram anunciados. Evidentemente, a informação vai depender de quando foi a última vez que você buscou alguma notícia a respeito. Por isso, uma pequena retrospectiva se faz necessária. Até agora já foram confirmadas na Festa Literária as presenças de David Remnick, Andrés Neuman, Valter Hugo Mãe, Pola Oloixarac, Joe Sacco, Franco Moretti e Emmanuel Carrère.

Essa semana a organização anunciou a participação do diretor de cinema Claude Lanmann - com direito a entrevista polêmica dele para a Ilustrada. O diretor falou que não gosta das criações do arquiteto Oscar Niemeyer.

Nesse final de semana, os cadernos de cultura confirmam a presença de João Ubaldo Ribeiro - o primeiro escritor brasileiro a figurar na lista de convidados. O momento é bastante oportuno pois Ubaldo acaba de completar 70 anos e promete ser uma das presenças mais divertidas da festa. Em entrevista a Ilustrada ele diz que já superou o episódio que ocorreu em 2004 - quando ele foi convidado pela organização da FLIP e depois declinou. A entrevista feita por Daniel Benevides na integra está aqui.

Alguns boatos dão conta de que a FLIP está negociando a presença do diretor de cinema Bernardo Bertolucci e do escritor e teórico Umberto Eco. James Ellroy também está nessa lista das negociações, mas por enquanto não foi confirmado.

A programação está começando a esquentar, não é?

*imagem: via Wikipédia.

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NOTAS #19



Capas vivas
Calma, leitor! A imagem acima pertence a Thomas Allen, um artista plástico americano. Ele faz montagens usando apenas recortes de capas de livros vintage. Depois de selecionar, recortar com cuidado, montar e fotografar o resultado final causa uma impressão de tridimensionalidade. As capas estão vivas e interagindo. E tem uma montagem melhor que a outra. Descobri o cara no blog do Almir de Freitas - Não me Culpem pelo Aspecto Sinistro.

A estante sentimental
Milton Hatoum está preparando um novo romance que será publicado ainda esse ano. Um trecho desse novo livro foi publicado na seção "_ficção" da revista Piauí com o título de Aura. À coluna Painel das Letras, assinada por Josélia Aguiar, o escritor amazonense confessou dez livros que considera sentimentalmente importantes. Entre eles estão: Coração das trevas, de Joseph Conrad; A educação sentimental, de Gustave Flaubert; Luz em agosto, de William Faulkner; Infância, de Graciliano Ramos; Dublinenses, de James Joyce e O processo, de Franz Kafka. A lista completa está disponível em http://tinyurl.com/4h4qbjj

Questão de gênero
Você escreve como homem ou como mulher? Inspirado por um artigo publicado na revista do New York Times, Shlomo Argamon e Moshe Koppel desenvolveram um algoritmo capaz de detectar o gênero de um escritor. Para fazer um teste, peguei o trecho inicial de O som e a fúria, de William Faulkner. O resultado final foi: "o autor desse trecho é homem". Outro teste, dessa vez com um trecho de Pornopopéia, de Reinaldo Moraes. Confirmado: "o autor desse trecho é homem". Para não ter mais dúvida, outro teste com um trecho de Felicidade clandestina, de Clarice Lispector. O resultado foi: "o autor desse trecho é homem". Será que o algoritmo não entende a língua portuguesa? O formulário para os testes está disponível em http://tinyurl.com/yafgus

Podcast
A revista New Yorker convidou a escritora Anne Enright para participar do seu podcast de ficção. Cada mês a "ultracool" editora Deborah Treisman convida escritores para escolherem um conto que já tenha sido publicado pela revista. Anne Enright escolheu The swimmer, de John Cheever. Ela disse que leu o conto, assistiu a adaptação do conto num filme de 1968 estrelado por Burt Lancaster e ficou impressionada com a melancolia e a beleza da história. O conto também está na coletânea 28 contos de John Cheever, com seleção de Mario Sergio Conti publicado pela Companhia das Letras. O conto se chama O nadador e a tradução foi feita por Jorio Dauster. O podcast com leitura de Anne Enright está disponível em http://tinyurl.com/49rcxvh

Velhos safados
Quase toda semana o blog Flavorwire nos manda um post bacana. Dessa vez, eles fizeram uma lista com dez escritores que pode ser que sejam velhos bem safados. A listatem algumas escolhas evidentes como Charles Bukowski, Geoffrey Chaucer, Vladimir Nabokov e Henry Miller. Porém, causa surpresa saber que James Joyce, John Updike, Michel Houellebecq, Philip Roth e até William Shakespeare já tenham sofrido das fraquezas da carne. Alguém se arrisca a fazer uma lista parecida com escritores brasileiros?



Videogame literário
Uma das notícias mais comentadas das últimas semanas tem sido o game baseado no livro O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald. Não é a primeira vez que essa história vira um jogo, a empresa Big Fish Games já desenvolveu um jogo para PC. A diferença é que a nova versão tem mais "jogabilidade" e os desenhos têm aquele apelo vintage do Nintendo antigo. Será que Fitzgerald é o escritor preferido dos gamemaníacos?

***

Em tempo, o blog do caderno Prosa e Verso descobriu um outro jogo baseado na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett. Com certa nostalgia, o visual do jogo imita o bom e velho Atari. Ah! E você pode escolher se quer jogar com o Didi ou com o Gogo - apelido das personagens Vladimir e Estragon. O jogo existencialista baseado no teatro do absurdo está disponível em http://tinyurl.com/4dl4pxl

*imagens: reprodução do Google.

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QUADRINHOS SOBRE GUERRA


O jornalista David Axe transformou sua experiência de quatro anos como correspondente de guerra para o jornal The Washington Times e a radio BBC em tirinhas na internet. O que começou despretensiosamente em 2007 resultou numa graphic novel chamada War is boring - lançada nos Estados Unidos no ano passado. As viagens de Axe em busca de notícias para os conflitos no Timor Leste, Afeganistão, Iraque, Líbano e Somália se misturam a sua vida pessoal. O texto foi escrito pelo próprio David Axe e os desenhos ficaram por conta de Matt Bors. David Axe também mantém um blog na internet. Algumas tirinhas da graphic novel estão disponíveis em http://tinyurl.com/5q9fjx

***

Essa notícia sobre quadrinhos de guerra me lembrou a experiência do também jornalista e quadrinista Joe Sacco. A graphic novel Notas sobre Gaza foi lançada pela Companhia das Letras no final do ano passado. Antes disso, a editora Conrad publicou Derrotista, Gorazde, Uma história de Sarajevo e Palestina. Nesse ano, Joe Sacco é um dos convidados confirmados da FLIP.

Há uma reportagem bem bacana sobre Joe Sacco feita por Raquel Cozer para o Caderno 2, do Estadão - com direito a entrevista.

***

Através do blog do David Axe acabei descobrindo o site Cartoon Movement. Trata-se de uma comunidade internacional de cartunistas que lidam com quadrinhos de cunho político. Numa olhada rápida, vi trabalhos bem bonitos de diversas partes do mundo. Quem estiver interessado em participar pode entrar em contato através do site http://www.cartoonmovement.com/


Será que estamos diante de um novo movimento dentro da internet com relação a divulgação de notícias e informações sobre os acontecimentos políticos? Há quem diga e insista na ideia de que a internet tem sido uma ferramente fundamental nas atuais mobilizações de massa. Verdade ou não, a existência desses quadrinhos de cunho políticos dá voz a pessoas que nem sempre seriam ouvidas e mostram a existência de outras perspectivas para um mesmo conflito. Como bem proclama o Cartoon Movement "existe mais de uma verdade".

*imagem: reprodução do flickr de David Axe.

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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

MUTARELLI E MURAKAMI NO CINEMA


Já que no final de semana teremos a cerimônia de entrega do Oscar, com diversos livros que foram adaptados ao cinema, nada mais justo do que comentar aqui outros livros que viraram filme e terão estréia em breve.

O primeiro deles é Natimorto, filme de Paulo Machine com Simone Spoladore e Lourenço Mutarelli - o escritor, ele mesmo, mas na versão ator. Veja você que situação curiosa, pois Lourenço Mutarelli escreveu o livro no qual o filme foi baseado, contribuiu com a elaboração do roteiro e ainda atuou. Natimorto foi exibido em alguns festivais e deve estrear no início de abril. Já é o segundo livro do Mutarelli que vira filme, o primeiro foi o aclamado O cheiro do ralo, de 2006. O vídeo está nesse link.

Norwegian Wood é a outra adaptação esperada para esse ano e muito comentada também. O filme é baseado no livro escrito por Haruki Murakami. No Japão ele é um escritor de muito sucesso - basta lembrar que os leitores fizeram fila nas portas das livrarias para comprar o último livro que ele lançou. Para a turma que não gosta de escritores que fazem sucesso um recado: Murakami é um escritor de qualidades excepcionais. A leitura de Norwegian Wood é repleta de contornos dramáticos e intensos. A julgar pelo trailer, o diretor Tran Anh Hùng conseguiu captar bem as imagens do enredo - vamos esperar para ver. O trailer oficial do filme que tem trilha sonora de Jonny Greenwood - guitarrista do Radiohead está nesse link.

*via Metropolis e Word&Film.

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

NO MAIS, UM LIVRO LONGO PODE SALVAR SUA VIDA

O vídeo abaixo foi feito no ano passado pelo pessoal da revista Electric Literatura e já circulou muito pela internet. No entanto, achei legal voltar a ele por causa do artigo de Garth Risk Hallberg que está no fanzine - no vídeo aparecem vários livros mencionados no artigo. O pessoal da revista fez uma brincadeira, meio arriscada eu diria, usando livros longos. Segundo a teoria um livro desses pode salvar sua vida. Melhor mesmo é não pagar para ver, né?


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UM ANO INTEIRO COM BOLAÑO


Os norte-americanos terão de esperar pelo menos um ano para ler por completo O terceiro Reich, romance perdido de Roberto Bolaño - o escritor mais celebrado no momento nos Estados Unidos. O motivo de tanta espera tem uma justificativa interessante: a aclamada revista The Paris Review vai publicar o romance em quatro partes ao longo de um ano. A manobra faz parte dos planos de Lorin Stein para renovar o espírito da revista. Desde que Stein assumiu a Paris Review, ele já promoveu diversas mudanças e sua experiência como editor da FSG (Farrar, Straus and Giroux) tem contado muito.

Faz mais ou menos 40 anos que a Paris Review não publicava um romance em série, como desse tipo. Isso me fez pensar em certa nostalgia dos folhetins do século XIX, mas entendo que não deixa de ser uma tacada certeira para manter os leitores ligados na revista. Para tornar essa primeira edição com o romance de Bolaño mais caprichada, cada parte será ilustrada com desenhos de Leanne Shapton. O romance deverá ganhar uma edição em livro depois que tiver sido publicado integralmente pela revista.

Nós já estamos lendo O terceiro Reich faz tempo - o romance foi publicado na íntegra em janeiro desse ano pela Companhia das Letras. Para sentir um pouco o estilo de Bolaño, reproduzo abaixo um trecho do começo do romance com tradução de Eduardo Brandão:

Pela janela entra o rumor do mar mesclado com os risos dos últimos noctâmbulos, um ruído que talvez seja o dos garçons recolhendo as mesas do terraço, de vez em quando um carro que circula com lentidão pelo Passeio Marítimo e zumbidos apagados e inidentificáveis que proveem dos outros quartos do hotel. Ingeborg dorme; seu rosto parece o de um anjo cujo sono nada perturba; na mesinha de cabeceira há um copo de leite que ela não provou e que agora deve estar morno, e junto do seu travesseiro, meio coberto pelo lençol, um livro do detetive Florian Linden do qual leu apenas um par de páginas antes de adormecer. Comigo acontece exatamente o contrário: o calor e o cansaço tiram meu sono. Geralmente durmo bem, entre sete e oito horas por dia, embora muito raras vezes me deite cansado. Pelas manhãs acordo fresco como uma alface e com uma energia que não decai ao cabo de oito ou dez horas de atividade. Que me lembre, foi sempre assim; faz parte da minha natureza. Ninguém me inculcou isso, simplesmente sou assim e com isso não quero dizer que seja melhor ou pior que os outros; a própria Ingeborg, por exemplo, sábado e domingo não se levanta antes do meio-dia, e durante a semana só uma segunda xícara de café e um cigarro conseguem acordá-la totalmente e empurrá-la para o trabalho. Esta noite, porém, o cansaço e o calor tiram meu sono. Também a vontade de escrever, de registrar os acontecimentos do dia, me impede de ir para a cama e apagar a luz.
Tem mais um pouco do primeiro capítulo aqui.

*imagem e texto: reprodução.
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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

CASMURROS #1


Com textos de André de Leones, Garth Risk Hallberg, Liev Tolstói, Aura Estrada, D.H. Lawrence, Mark Twain e mais.

TAMANHO: 3.74MB

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Casmurros é um fanzine, editado por Rafael R.

O fanzine é distribuído em formato PDF (Portable Document Format). Você pode fazer o download, imprimir e ler quando quiser - no metrô, no ponto do ônibus ou na fila do cinema. Quem não quiser imprimir pode ler diretamente no computador. Os adeptos dos leitores digitais, ainda podem converter o formato PDF para outro formato acessível em seu aparelho.
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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

ENTREVISTA - ANTÔNIO XERXENESKY


No mês passado li Areia nos dentes, livro de estréia de Antônio Xerxenesky. O romance tinha sido lançado em 2008 pela Não Editora e ganhou uma nova edição no ano passado pela Rocco.

Numa olhada de relance, a gente pensa que Areia nos dentes é um livro sobre o velho oeste com seus caubóis, saloons e xerifes. No entanto, o livro quebra todos esses clichês, brinca com estereótipos, renova o gênero e faz os mortos voltarem a vida - sim, tem zumbis no meio! De quebra, a história também fala da difícil relação entre pais e filhos e dos dilemas que um escritor enfrenta quando está criando.

A leitura é rápida e bastante envolvente. Acho que um pouco disso vem do fato do livro ter sido escrito num estilo cinematográfico. A gente lê imaginando cenas, lembrando de filmes de velho oeste, etc. Parece que em breve haverá uma adaptação da história para o cinema.

Antônio Xerxenesky nasceu em Porto Alegre, em 1984. Além de escritor, ele também trabalha como editor na Não Editora e tem um blog. Muito gentilmente, ele topou responder umas perguntas sobre o livro, a carreira de escritor e sobre Porto Alegre.

Gostaria de começar falando de Porto Alegre, afinal a cidade tem muitos escritores já consagrados e sempre coloca novos escritores em circulação. Como é a cena literária da cidade?

Sei que o resto do país costuma ver o Rio Grande do Sul como um “celeiro de novos autores”. De fato, muita coisa boa surgiu no estado, mas, ao mesmo tempo, temos uma cena literária bastante peculiar. Há muitos casos de “autores locais” que fazem um sucesso estrondoso no estado, mas que são completamente desconhecidos no resto do país. Já eu, sei lá por qual motivo, sou mais lido no resto do Brasil do que no Rio Grande do Sul (pelo menos em termos de vendas – e de comentários em geral, pois demorou mais de ano para algum blog gaúcho resenhar meu livro). Não me pergunte por que isso acontece, não faço a menor ideia. Em termos de “cena”, no sentido de “escritores se reunindo”, isso é bem forte. Há vários grupos de escritores que sempre se encontram nos mesmos bares. Todavia, escritores juntos falam de tudo menos de literatura.

Li que você planejou bastante o romance entre a primeira ideia e o resultado final. Para você esse negócio de inspiração não existe? O planejamento minucioso tem um resultado eficiente, dá para medir?

Não me encaixo em nenhum dos extremos (nem 100% razão, nem 100% inspiração). Sou bastante racional e faço muitas anotações e diagramas, mas, ao mesmo tempo, na “hora do vamos ver”, deixo a imaginação correr solta e corrijo e refino o texto só em um segundo momento.

Nos agradecimentos do livro, você diz que Thomas Pynchon e Cormac McCarthy foram duas inspirações - especialmente Against the day e Onde os velhos não têm vez. De Pynchon você tirou o tema da vingança familiar, a inventividade no formato narrativo, a multiplicidade de enredos, etc. De McCarthy você tirou o tema dos "caubóis modernos" e os ares do velho oeste sem lei. É isso mesmo? O que esses dois escritores representam para você?

É mais ou menos isso. Para ser um pouco mais específico, de Pynchon eu roubei a questão de inserir um desvario metafísico no meio de alguma cena bem kitsch. Um pastiche com coração, digamos. De McCarthy, poxa, eu não saberia nem dizer o que foi que eu roubei dele, mas aquele capítulo que é o diário do pai, aquilo seria impossível sem a leitura de McCarthy.

Seu livro também tem influências do cinema - você cita pelo menos seis diretores nos agradecimentos. Hoje em dia é difícil a gente ler um livro e não pensar nele de forma cinematográfica. Tem gente que até diz assim "quando vai virar filme?". As imagens no universo da literatura serão devoradas pela fotografia, cinema, TV, vídeo e videogame?

Eu diria que “cinema e games” são influências inevitáveis. Por mais que minhas referências mais concretas, na hora de pensar um conto ou um romance, sejam literárias, me parece impossível fugir da influência audiovisual. Tenho um passado muito forte de cinefilia e sou um gamer compulsivo. Isso acaba vazando na prosa.

A figura do caubói é admirada pelo fato de viver num mundo meio solitário, sem leis, onde a honra fala mais alto. Esse tipo de caubói aparece no livro encarnado nos irmãos Marlowe, em Míguel Ramírez, mas não em Juan Ramírez. Por que você quis mexer nesse estereótipo? Além disso, tive a impressão de que os Marlowe e os Ramírez rivalizavam sem saber o motivo real disso, são apenas suspeitas, não é?

Um dos objetivos do Areia nos dentes foi justamente o de brincar com estereótipos. E qual estereótipo mais forte do que o caubói machão? Por isso, fiz de Juan Ramírez, o protagonista, um covarde, inseguro não só na hora de trocar tiros, mas inseguro em termos familiares (sua relação com o pai) e sexuais (sua relação com a namoradinha da infância). Quanto às rivalidades, é uma boa pergunta. Não sei o que me levou a fazer isso, de nunca deixar claro os motivos da rivalidade. Quis criar a ideia de que sempre houve um ódio entre as famílias, mas que é um ódio tão antigo que ninguém sequer lembra a causa original.

Você disse que começou a escrever o livro antes dos zumbis voltarem a ser um sucesso. Eles estão no cinema, na TV e na literatura. O zumbi finalmente vai tomar o lugar do vampiro? Por que você acha que os zumbis fascinam tanto as pessoas?

Quando eu escrevi o livro, em 2007, estava começando o revival de zumbis, mas não tinha chegado a esse ponto de saturação midiática. Não aguento mais piadinhas envolvendo zumbis, cansou. Acho que zumbis são fascinantes justamente porque podem servir de símbolo para uma variedade enorme de coisas, pois se situam em um lugar indefinido, entre a vida e a morte. Eles são figuras híbridas por excelência.

Achei curioso o fato de Juan, narrador da história, registrar a história em máquina de escrever e depois passar ao computador - não sem alguma dificuldade. Você não acha que para um autor a moda antiga, ele usa técnicas narrativas bastante sofisticadas?

Hmmm... essa é uma pergunta bem perspicaz... De fato, ele usa técnicas narrativas sofisticadas demais para ele... E, no entanto, há menção de que Ulisses, de Joyce, era o livro favorito dele. Além do mais, há uma sugestão de que o livro talvez estivesse sendo escrito por um garoto no sul do Brasil, que escreveria sobre um velho escrevendo um western...

Juan reflete o tempo inteiro sobre o modo como os romances são construídos. Ele também cita vários filmes quando está pensando na vida. As preocupações dele são de alguma forma as suas preocupações em relação ao fato de escrever um livro?

Você matou a charada. Eu emprestei muitas dúvidas minhas, como autor, ao narrador. Outras eu forjei. Mas é isso aí.

O crítico Sérgio Rodrigues escreveu no blog Todoprosa um post interessante chamado "Notícia da atual literatura brasileira: instinto de internacionalidade". Ele repassa parte da história da literatura brasileira para falar de um fantasma que ronda nossas ideias: como criar uma literatura nacional e lidar com aquilo que é estrangeiro. Seu livro tem diversos elementos estrangeiros e o Brasil não aparece no enredo. Você se preocupa com esse deslocamento? Como você enxerga essa questão?

A questão me preocupa loucamente. Eu penso nesse assunto o tempo todo, mas não consigo chegar a uma conclusão. Meu autor brasileiro favorito do momento, André Sant’Anna, é um escritor completamente nacional, intraduzível, que nunca seria assimilado lá fora. Já Areia nos dentes, por outro lado, tenho a impressão de que poderia ter sido escrito em qualquer canto da América Latina... Mas não sei o que pensar disso. Quer dizer, penso muito nisso, mas é um assunto tão complexo. Esse fato não me preocupou durante a escrita, pois o romance saiu de forma bem natural. Claro que eu penso que “escrevo literatura brasileira contemporânea”, logo meu romance se encaixará na “cena de literatura brasileira contemporânea”. No entanto, vivemos uma cena tão plural e diversificada...

Minhas referências são, em sua maioria, estrangeiras. Ao mesmo tempo, o Areia nos dentes parece um livro “periférico”, escrito em uma região que consome, sem filtros, tudo quanto é porcaria produzida lá fora. Eu disse antes que ele poderia ter sido escrito em qualquer canto da América Latina. Com isso também digo que é um livro profundamente latino-americano. Enfim, estou andando em círculos e não consigo responder direito as suas perguntas.

Quais escritores brasileiros foram influências para você, além de Daniel Galera e André Sant’Anna? E qual é o lugar da literatura brasileira dentro da sua formação como escritor?

Soará estranho o que vou dizer a seguir. Daniel Galera e André Sant’Anna: coloco ambos, sem dúvida, como dois dos meus escritores brasileiros favoritos. E, no entanto, quase não me influenciaram. O que escrevo não tem nada a ver com o que eles escrevem. Dentes guardados, do Galera, serviu de “incentivo” para que eu começasse a escrever, e, no entanto, não moldou meu estilo. Acho que existem, sim, escritores nacionais que me influenciam, como Sérgio Sant’Anna e Joca Reiners Terron, mas é uma influência mais sutil, não tão marcada como Pynchon ou Vila-Matas. É claro que amo coisas mais canônicas, como o velho Machadão, porém não diria que foram relevantes na minha “formação” como escritor.

Você pode adiantar alguma coisa sobre seu novo livro, parece que ele vai ser chamar A página assombrada por fantasmas? Qual será o enredo? Já está escrevendo?

O livro já foi entregue para a minha editora no final de novembro (de 2010) e está em processo de edição. A qualquer momento receberei a lista de sugestões de mudanças, aquelas coisas. O que posso adiantar? Bem, que estou louco para que saia o livro para eu poder falar de outra coisa além do Areia nos dentes...

Brincadeiras à parte, é um livro bem metaliterário (a la Vila-Matas, Bolaño e cia.), mas, ao mesmo tempo, acessível e humano (isso espero). Gosto muito do livro, mas não faço ideia de como será recebido. Trata-se de uma obra radicalmente diferente do meu romance, e não sei como o público leitor vai reagir.

*imagem: divulgação.
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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

NOTAS #18


Quem não rabisca?
Caro leitor, não pense que você é a única criatura no mundo que faz algumas anotações e rabiscos nos seus livros. Muito pelo contrário, essa prática tão antiga é adotada por grandes escritores da literatura universal. O site Flavorwire, sempre eles, conseguiram descobrir rabiscos feitos por David Foster Wallace, Vladimir Nabokov, Samuel Beckett, Mark Twain, Kurt Vonnegut, Jorge Luís Borges, etc. Os rabiscos acima pertecem a Franz Kafka e tem uma cara de que ele estava pensando em O processo. Os demais rabiscos estão disponíveis em http://tinyurl.com/4rbk8td

Moraes na moral
Não tem jeito mesmo, esse ano só vai dar Reinaldo Moraes - até falei disso por aqui. O sucesso é tanto que os festivais literários terão de ser obrigados a chamar Moraes para apresentações. Pornopopéia está fazendo tanto sucesso que possivelmente será adaptado para o cinema. Segundo informações dos jornais, o produtor Rodrigo Teixeira comprou os direitos do livro e Arthur Fontes, da Conspiração Filmes, será o provável diretor.

***

A coluna Babel, do Estadão, também divulgou uma notícia de que a editora Quetzal também comprou os direitos de Pornopopéia para uma futura edição em Portugal. Lembro que João Ubaldo Ribeiro causou um pequeno reboliço no lançamento de A casa dos budas ditosos por conta do teor do livro. Será que algo parecido pode acontecer com Moraes?

Preferidos
No blog da coluna Painel das Letras, da Folha de SP, o escritor Cristovão Tezza confessou dez livros que marcaram sua vida. Entre os eleitos estão Angústia, de Graciliano Ramos; O estrangeiro, de Albert Camus; Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez; Luz em agosto, de William Faulkner e Desonra, de J. M. Coetzee. A lista completa está disponível em http://tinyurl.com/48oyswn

Brigas literárias
Você sabia das divergências entre Albert Camus e Jean-Paul Sartre? E que Wallace Stevens
falava mal de Ernest Hemingway? E da briga entre Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez? Pois o The Huffington Post pediu a ajuda de seus leitores para comentar os combates literários favoritos de cada um. Pois é, escritores também podem ter um dia de fúria. Outra desavenças estão disponíveis em http://tinyurl.com/6hpr8e7

Beatnikmaniacos
No melhor estilo de "tudo o que você queria saber sobre...", o site Flavorwire revelou 97 curiosidades sobre o escritor William S. Burroughs. Por exemplo, Burroughs manuseou uma arma de fogo pela primeira vez quando tinha apenas 8 anos. Já que era um garoto precoce ele descobriu o estilo de vida da contracultura aos 13 anos, depois de ler You can’t win, a autobiografia de Jack Black. Foi nessa idade também que ele começou o seu longo caminho pelas portas da percepção. A lista inteira está disponível em http://tinyurl.com/6zxt7jp

Moby Dick 24 horas
Leitores entusiasmados, amantes da boa literatura e fãs do livro Moby Dick, de Herman Melville, se reuniram na semana passada em Portland, nos Estados Unidos, para uma maratona de leitura de 24 horas ininterruptas do livro. O encontro começou na sala de leitura do Powell's Books. Para o desafio foram recrutados 135 candidatos, sendo um para cada capítulo do livro. A leitura foi gravada e o áudio será vendido para arrecadar dinheiro para o IPRC - Independent Publishing Resource Center. No ano passado uma iniciativa bem semelhante aconteceu, também nos Estados Unidos, para comemorar o centenário de morte de Liev Tolstói. Será que a gente conseguia fazer algo semelhante no Brasil?

Alguém lendo
Um momento raro, mas salvo graças a internet. Trata-se do escritor James Joyce lendo um trecho de Finnegan's Wake - considerada a experiência mais radical do autor de Ulisses. Como todo mundo sabe, Finnegan's Wake é um livro bem difícil de traduzir para outras línguas, ainda que as traduções existam. A leitura de Joyce pode guiar o ritmo daqueles que pretender encarar o desafio de ler o original. O áudio está disponível em James Joyce MP3.

*imagem: reprodução do site Flavorwire.
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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

FANZINE: CASMURROS

Estou um pouco ausente do blog, mas por uma razão bem bacana. Na semana que vem devo lançar a primeira edição de um fanzine sobre prosa de ficção vinculado ao blog. Depois de alguns contratempos já estou na fase de revisão final do material. Cruzem os dedos para tudo dar certo!

O fanzine também vai se chamar CASMURROS. Gostaria de ter feito o lançamento no final do ano passado, mas estavamos em período de festas de final de ano. Juntando isso com outros problemas, achei melhor adiar os trabalhos.

O tema do primeiro número será "EDIÇÃO LONGA". Uma brincadeira com os romances longos que andam dominando as prateleiras das livrarias. Vai ter ficção, ensaios e trechos de alguns romances que foram lançados ou ainda serão lançados esse ano. Ainda vou comentar bastante sobre o fanzine por aqui.

Para não deixar todo mundo muito curioso, uma pequena amostra da capa:



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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

FLIP INSPIRA PORTUGAL


O português Gonçalo Bulhosa, co-fundador da Oficina do Livro e ex-editor da Palavra, esteve na primeira edição da FLIP, em 2004. Saiu de lá com a ideia de fazer algo parecido em Portugal, mas sua primeira tentativa em 2005 não teve resultados.

Quase sete anos depois a ideia finalmente ganha forma. Essa semana, Bulhosa anunciou ao jornal Público que em novembro a vila portuguesa de Sintra vai abrigar a 1ª Festa Literária Internacional de Sintra (FLIS). O diretor dessa edição será Manuel Alberto Valente e o evento vai acontecer no Centro Cultural Olga Cadaval nos dias 11, 12 e 13 de novembro.

No total o evento espera reunir cerca de 30 escritores, entre portugueses e estrangeiros. Os primeiros nomes confirmados são Valter Hugo Mãe, João Tordo, Pedro Paixão e Joana Amaral Dias. (via Ciberescritas)

Curioso perceber como a FLIP, que inspirou diversos festivais literários no Brasil também está gerando frutos em Portugal. Quem sabe com esse anúncio o trânsito entre a nossa literatura e a literatura portuguesa aumente.

*imagem: reprodução.


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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

JULGANDO LIVROS PELA CAPA: PORTUGAL X BRASIL

O site The Millions faz uma brincadeira interessante comparando a capa de livros em edições americanas e inglesas. Pegando a ideia emprestada, entrei na brincadeira escolhendo alguns autores brasileiros e portugueses para comparar o designer de capa de cada um. Imagino que as duas questões que sempre atormentam o trabalho de quem faz a capa são: resumir o enredo do livro numa única imagem e conquistar a atenção do leitor para aquele produto. Por isso, a brincadeira tem um resultado curioso quando percebemos que o que nos fisga nas livrarias é bem diferente daquilo que fisga nossos "patrícios d'além mar".

Como não sou especialista no assunto, estou comentando de maneira bem prosaica - no melhor estilo inexperiente sem compromisso. Alguns livros ainda estão na minha fila de leitura, portanto não posso comentar sobre a relação do conteúdo com a capa.

As capas das edições brasileiras estão do lado direito. Os comentários estão abertos quem quiser pode participar.



Leite derramado, Chico Buarque.
Sei que a edição brasileira saiu com duas capas diferentes: uma branca com título em preto e outra laranja com o título em branco. As duas versões ficaram limpas e sóbrias, embora a laranja chame mais atenção e seja a mais conhecida. Já a edição portuguesa escolheu uma imagem que diz muito a respeito do enredo do livro.


Estive em Lisboa e lembrei de você, Luiz Ruffato.
Enquanto a edição portuguesa optou por uma foto da cidade, nossa edição optou pelo galo português que é muito mais simbólico. Soa carinhosa a pequena adaptação no título para "...lembrei-me de ti".

A arte de produzir efeito sem causa, Lourenço Mutarelli.
As duas editoras optaram pela mesma imagem na capa. A diferença está apenas no formato: em Portugal é quadrado e mais longo, enquanto no Brasil as bordas são arredondadas e o livro um pouco menor. Comentário a parte: o projeto gráfico do pessoal do Máquina Estúdio (no Brasil) é realmente espetacular.


Caim, José Saramago.
Enquanto a edição brasileira optou por uma imagem abstrata, a portuguesa preferiu uma figura bíblica. E esse furo na testa da figura tem uma força simbólica muito forte.


Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?, António Lobo Antunes.
Aqui tem uma questão de identidade visual. Praticamente todos os livros da Alfaguara no Brasil tem essa espécie de moldura. O cavalo do título aparece na singela figura de um cavalinho de pau na mão de uma menina. Já a edição portuguesa optou pela força desse cavalo furioso, trotando.


O remorso de baltazar serapião, Valter Hugo Mãe.
Ficou bonita a imagem dessa cabeça com um mapa antigo. Lembra mesmo uma posição de remorso. A edição brasileira também ganhou uma identidade bem nacional com esse desenho que lembra uma serigrafia. E diz muito sobre a história, imagino.


Mãos de cavalo, Daniel Galera.
Resolvi mencionar essas duas capas não para falar de beleza. Mas achei bem curioso que a capa portuguesa seja mais literal na imagem.


O único final feliz para uma história de amor é um acidente, João Paulo Cuenca.
A edição brasileira é bastante elaborada e cheia de informações visuais que lembrar elementos da cultura visual japonesa. Pelo menos é o que me parece. Os portugueses optaram pelo minimalismo das cores da bandeira japonesa e pelo desenho da boneca, personagem do romance. Bem curioso também.

*imagens: divulgação, reprodução.

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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

JA ELEGERAM A MUSA DA FLIP 2011


Estamos apenas no primeiro dia de fevereiro e as notícias em torno dos autores convidados da FLIP 2011 não para de pipocar. Depois de anunciar a presença do argentino Andrés Neuman, do norteamericano David Remnick e do português Valter Hugo Mãe, a organização da festa literária confirmou a presença da argentina Pola Olaixarac.

Aliás, Pola Olaixarac já foi eleita a musa dessa edição por muita gente - basta dar uma olhadinha na foto acima para perceber o motivo de tanta euforia. Aí daquele ou daquela que discordar! Pelo menos por enquanto. Ela é autora do romance As teorias selvagens, que será lançado pela Benvirá - um selo da editora Saraiva. O livro recebeu elogios de Ricardo Piglia, vejam só. Pola também já publicou contos, faz tradução e também escreve artigos para a mídia argentina.

Quem quiser se antecipar e conhecer o trabalho da musa pode ler em inglês o conto Conditions for the revolution, que foi publicado na edição da revista Granta com autores de língua espanhola. Na mesma edição também tem uma entrevista com ela.

Outros outros nomes tidos como certos para FLIP, mas que ainda não confirmados pela organização são: o escritor norteamericano James Ellroy e o quadrinista Joe Sacco.

Vamos aguardar mais notícias!

*imagem: divulgação.

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