quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

ENTREVISTA - ANTÔNIO XERXENESKY


No mês passado li Areia nos dentes, livro de estréia de Antônio Xerxenesky. O romance tinha sido lançado em 2008 pela Não Editora e ganhou uma nova edição no ano passado pela Rocco.

Numa olhada de relance, a gente pensa que Areia nos dentes é um livro sobre o velho oeste com seus caubóis, saloons e xerifes. No entanto, o livro quebra todos esses clichês, brinca com estereótipos, renova o gênero e faz os mortos voltarem a vida - sim, tem zumbis no meio! De quebra, a história também fala da difícil relação entre pais e filhos e dos dilemas que um escritor enfrenta quando está criando.

A leitura é rápida e bastante envolvente. Acho que um pouco disso vem do fato do livro ter sido escrito num estilo cinematográfico. A gente lê imaginando cenas, lembrando de filmes de velho oeste, etc. Parece que em breve haverá uma adaptação da história para o cinema.

Antônio Xerxenesky nasceu em Porto Alegre, em 1984. Além de escritor, ele também trabalha como editor na Não Editora e tem um blog. Muito gentilmente, ele topou responder umas perguntas sobre o livro, a carreira de escritor e sobre Porto Alegre.

Gostaria de começar falando de Porto Alegre, afinal a cidade tem muitos escritores já consagrados e sempre coloca novos escritores em circulação. Como é a cena literária da cidade?

Sei que o resto do país costuma ver o Rio Grande do Sul como um “celeiro de novos autores”. De fato, muita coisa boa surgiu no estado, mas, ao mesmo tempo, temos uma cena literária bastante peculiar. Há muitos casos de “autores locais” que fazem um sucesso estrondoso no estado, mas que são completamente desconhecidos no resto do país. Já eu, sei lá por qual motivo, sou mais lido no resto do Brasil do que no Rio Grande do Sul (pelo menos em termos de vendas – e de comentários em geral, pois demorou mais de ano para algum blog gaúcho resenhar meu livro). Não me pergunte por que isso acontece, não faço a menor ideia. Em termos de “cena”, no sentido de “escritores se reunindo”, isso é bem forte. Há vários grupos de escritores que sempre se encontram nos mesmos bares. Todavia, escritores juntos falam de tudo menos de literatura.

Li que você planejou bastante o romance entre a primeira ideia e o resultado final. Para você esse negócio de inspiração não existe? O planejamento minucioso tem um resultado eficiente, dá para medir?

Não me encaixo em nenhum dos extremos (nem 100% razão, nem 100% inspiração). Sou bastante racional e faço muitas anotações e diagramas, mas, ao mesmo tempo, na “hora do vamos ver”, deixo a imaginação correr solta e corrijo e refino o texto só em um segundo momento.

Nos agradecimentos do livro, você diz que Thomas Pynchon e Cormac McCarthy foram duas inspirações - especialmente Against the day e Onde os velhos não têm vez. De Pynchon você tirou o tema da vingança familiar, a inventividade no formato narrativo, a multiplicidade de enredos, etc. De McCarthy você tirou o tema dos "caubóis modernos" e os ares do velho oeste sem lei. É isso mesmo? O que esses dois escritores representam para você?

É mais ou menos isso. Para ser um pouco mais específico, de Pynchon eu roubei a questão de inserir um desvario metafísico no meio de alguma cena bem kitsch. Um pastiche com coração, digamos. De McCarthy, poxa, eu não saberia nem dizer o que foi que eu roubei dele, mas aquele capítulo que é o diário do pai, aquilo seria impossível sem a leitura de McCarthy.

Seu livro também tem influências do cinema - você cita pelo menos seis diretores nos agradecimentos. Hoje em dia é difícil a gente ler um livro e não pensar nele de forma cinematográfica. Tem gente que até diz assim "quando vai virar filme?". As imagens no universo da literatura serão devoradas pela fotografia, cinema, TV, vídeo e videogame?

Eu diria que “cinema e games” são influências inevitáveis. Por mais que minhas referências mais concretas, na hora de pensar um conto ou um romance, sejam literárias, me parece impossível fugir da influência audiovisual. Tenho um passado muito forte de cinefilia e sou um gamer compulsivo. Isso acaba vazando na prosa.

A figura do caubói é admirada pelo fato de viver num mundo meio solitário, sem leis, onde a honra fala mais alto. Esse tipo de caubói aparece no livro encarnado nos irmãos Marlowe, em Míguel Ramírez, mas não em Juan Ramírez. Por que você quis mexer nesse estereótipo? Além disso, tive a impressão de que os Marlowe e os Ramírez rivalizavam sem saber o motivo real disso, são apenas suspeitas, não é?

Um dos objetivos do Areia nos dentes foi justamente o de brincar com estereótipos. E qual estereótipo mais forte do que o caubói machão? Por isso, fiz de Juan Ramírez, o protagonista, um covarde, inseguro não só na hora de trocar tiros, mas inseguro em termos familiares (sua relação com o pai) e sexuais (sua relação com a namoradinha da infância). Quanto às rivalidades, é uma boa pergunta. Não sei o que me levou a fazer isso, de nunca deixar claro os motivos da rivalidade. Quis criar a ideia de que sempre houve um ódio entre as famílias, mas que é um ódio tão antigo que ninguém sequer lembra a causa original.

Você disse que começou a escrever o livro antes dos zumbis voltarem a ser um sucesso. Eles estão no cinema, na TV e na literatura. O zumbi finalmente vai tomar o lugar do vampiro? Por que você acha que os zumbis fascinam tanto as pessoas?

Quando eu escrevi o livro, em 2007, estava começando o revival de zumbis, mas não tinha chegado a esse ponto de saturação midiática. Não aguento mais piadinhas envolvendo zumbis, cansou. Acho que zumbis são fascinantes justamente porque podem servir de símbolo para uma variedade enorme de coisas, pois se situam em um lugar indefinido, entre a vida e a morte. Eles são figuras híbridas por excelência.

Achei curioso o fato de Juan, narrador da história, registrar a história em máquina de escrever e depois passar ao computador - não sem alguma dificuldade. Você não acha que para um autor a moda antiga, ele usa técnicas narrativas bastante sofisticadas?

Hmmm... essa é uma pergunta bem perspicaz... De fato, ele usa técnicas narrativas sofisticadas demais para ele... E, no entanto, há menção de que Ulisses, de Joyce, era o livro favorito dele. Além do mais, há uma sugestão de que o livro talvez estivesse sendo escrito por um garoto no sul do Brasil, que escreveria sobre um velho escrevendo um western...

Juan reflete o tempo inteiro sobre o modo como os romances são construídos. Ele também cita vários filmes quando está pensando na vida. As preocupações dele são de alguma forma as suas preocupações em relação ao fato de escrever um livro?

Você matou a charada. Eu emprestei muitas dúvidas minhas, como autor, ao narrador. Outras eu forjei. Mas é isso aí.

O crítico Sérgio Rodrigues escreveu no blog Todoprosa um post interessante chamado "Notícia da atual literatura brasileira: instinto de internacionalidade". Ele repassa parte da história da literatura brasileira para falar de um fantasma que ronda nossas ideias: como criar uma literatura nacional e lidar com aquilo que é estrangeiro. Seu livro tem diversos elementos estrangeiros e o Brasil não aparece no enredo. Você se preocupa com esse deslocamento? Como você enxerga essa questão?

A questão me preocupa loucamente. Eu penso nesse assunto o tempo todo, mas não consigo chegar a uma conclusão. Meu autor brasileiro favorito do momento, André Sant’Anna, é um escritor completamente nacional, intraduzível, que nunca seria assimilado lá fora. Já Areia nos dentes, por outro lado, tenho a impressão de que poderia ter sido escrito em qualquer canto da América Latina... Mas não sei o que pensar disso. Quer dizer, penso muito nisso, mas é um assunto tão complexo. Esse fato não me preocupou durante a escrita, pois o romance saiu de forma bem natural. Claro que eu penso que “escrevo literatura brasileira contemporânea”, logo meu romance se encaixará na “cena de literatura brasileira contemporânea”. No entanto, vivemos uma cena tão plural e diversificada...

Minhas referências são, em sua maioria, estrangeiras. Ao mesmo tempo, o Areia nos dentes parece um livro “periférico”, escrito em uma região que consome, sem filtros, tudo quanto é porcaria produzida lá fora. Eu disse antes que ele poderia ter sido escrito em qualquer canto da América Latina. Com isso também digo que é um livro profundamente latino-americano. Enfim, estou andando em círculos e não consigo responder direito as suas perguntas.

Quais escritores brasileiros foram influências para você, além de Daniel Galera e André Sant’Anna? E qual é o lugar da literatura brasileira dentro da sua formação como escritor?

Soará estranho o que vou dizer a seguir. Daniel Galera e André Sant’Anna: coloco ambos, sem dúvida, como dois dos meus escritores brasileiros favoritos. E, no entanto, quase não me influenciaram. O que escrevo não tem nada a ver com o que eles escrevem. Dentes guardados, do Galera, serviu de “incentivo” para que eu começasse a escrever, e, no entanto, não moldou meu estilo. Acho que existem, sim, escritores nacionais que me influenciam, como Sérgio Sant’Anna e Joca Reiners Terron, mas é uma influência mais sutil, não tão marcada como Pynchon ou Vila-Matas. É claro que amo coisas mais canônicas, como o velho Machadão, porém não diria que foram relevantes na minha “formação” como escritor.

Você pode adiantar alguma coisa sobre seu novo livro, parece que ele vai ser chamar A página assombrada por fantasmas? Qual será o enredo? Já está escrevendo?

O livro já foi entregue para a minha editora no final de novembro (de 2010) e está em processo de edição. A qualquer momento receberei a lista de sugestões de mudanças, aquelas coisas. O que posso adiantar? Bem, que estou louco para que saia o livro para eu poder falar de outra coisa além do Areia nos dentes...

Brincadeiras à parte, é um livro bem metaliterário (a la Vila-Matas, Bolaño e cia.), mas, ao mesmo tempo, acessível e humano (isso espero). Gosto muito do livro, mas não faço ideia de como será recebido. Trata-se de uma obra radicalmente diferente do meu romance, e não sei como o público leitor vai reagir.

*imagem: divulgação.
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