sábado, 31 de agosto de 2013

BESTIÁRIO, DE JÚLIO CORTÁZAR



Desculpem voltar ao papo dos videogames - parece que o blog anda monotemático -, mas vocês sabem como é: um assunto sempre puxa o outro. Vi numa livraria que Bestiário, o primeiro livro de contos de Júlio Cortázar publicado em 1951, acaba de ganhar uma reedição caprichada pela Civilização Brasileira com nova tradução feita por Paulina Wacht e Ari Roitman e projeto gráfico de Leonardo Iaccarino. O livro é objeto de desejo de muita gente e estava fora de catálogo há muitos anos - se não me engano, a última publicação foi pela editora Nova Fronteira nos anos 90.

No total são oito contos - alguns clássicos: Casa tomada, Carta a uma senhorita em Paris, A distante, Ônibus, Cefaleia, Circe, As portas do céu e Bestiário.

O que tudo isso tem a ver com videogames? O conto Carta a uma senhorita em Paris serviu de inspiração para o jogo "Rabbits for my closet". Falei a respeito dele em 2011 confira aqui. Assumimos o papel do narrador do conto que misteriosamente começa a vomitar coelhinhos e nossa tarefa é escondê-los dentro do armário, antes que a empregada descubra. Não requer prática e nem tão pouco habilidade.

Vale comprar o livro e ainda ter como bônus o jogo.

*Imagem: divulgação.
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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

OBSERVAÇÕES SOBRE LITERATURA E VIDEOGAME



Um dos motivos que me fizeram ficar longe das atualizações desse blog atende pelo nome de "The Last of Us", o jogo da Naughty Dog para o PlayStation 3 (que pena que os jogos de videogame não contam com títulos em português - será um purismo da minha parte?). Um assunto desses num blog literário pode parecer estranho, mas se você me acompanha desde o começo já deve estar acostumado. Sempre falei do flerte cada dia mais estreito entre a literatura e o universo dos videogames.

Inclusive, a terceira edição do fanzine tratou do tema com dois grandes textos: um artigo sobre Cormac McCarthy no videogame e uma pequena entrevista com os designers Peter Smith e Charlie Hoey responsáveis por uma adaptação 8 bits de O grande Gatsby. Dali eu chamo atenção para um momento em que eles falam do desejo incontrolável que algumas pessoas da indústria dos games (escritores, críticos e empresários) não escondem de ninguém de que os jogos avancem a ponto de conseguir emular um filme ou livro.

Não sei dizer se no futuro o videogame conseguirá essa façanha porque cada meio narrativo (filme, livro ou jogo) tem as suas especificidades, mas - guardadas as devidas proporções - os jogos trilham esse caminho e parecem próximos de atingir esse objetivo.

"The Last of Us" é um caso a ser avaliado. Os desenvolvedores da Naughty Dog conseguiram a proeza de construir um jogo que nos envolve emocionalmente usando uma história bastante verossímil com personagens autênticas e uma trama cheia de reviravoltas - sem mencionar a riqueza dos detalhes gráficos, a beleza imagens e a qualidade do som. Basicamente, o jogo acontece num futuro não muito distante em que a humanidade é infectada por uma doença causada por um fungo que os transforma numa espécie de zumbis (parece um mundo apocalíptico, mas as cidades dos Estados Unidos servem de cenário com elementos fáceis de reconhecer - o prédio do Capitólio, o skyline de Pittsburgh, as rodovias, o Financial District, os subúrbios, uma universidade etc.). 

Acompanhamos e protagonizamos a história de Joel, um sujeito durão que perdeu a filha de uma forma trágica enquanto tentava fugir da epidemia. Anos depois, ele sobrevive numa zona de quarentena e por obra do destino embarca numa missão de escoltar uma menina especial chamada Ellie até um grupo de pessoas que pode encontrar a cura para a infecção. No percurso muitas coisas vão acontecer - não vou contar mais nada para não estragar a surpresa.

Os dialógos são muito bem sacados (não parecem nem um pouco artificiais), tem humor, tem drama, tem suspense e tem transformação das personagens. As cenas não cortam a ação de modo abrupto e tudo se desenrola com lógica e sutileza. Outro trunfo muito plausível, tal qual a vida real temos de investigar os ambientes em busca de suprimentos para sobreviver (precisamos encontrar armas, aperfeiçoá-las, achar munição - que acaba se você desperdiçar -, 'alimentos', kits médicos e todo o resto). Joel também coleciona manuais que ensinam a montar explosivos, afiar facas etc. Como narradores-protagonistas comandamos três personagens (a filha de Joel, Joel e Ellie) e manipulamos a câmera para ver o ambiente.

Comparando ingenuamente o jogo aos romances, me parece claro que a narrativa não joga com mecanismos mais complexos como lacunas, fluxo de consciência e matizes psicológicos das personagens. Ficamos num nível mais superficial. Também faz falta a materialidade linguística que opera verdadeiros milagres ao contrário das artes visuais que precisam apreender tudo em imagens para fazer o expectador imergir na 'história'.

Seja como for, "The Last of Us" representa um avanço na sonhada aproximação com as artes literária e cinematográfica. Li alguns críticos comentando que esse jogo é tão espetacular que ele até impõe um desafio de ser superado - o que pode demorar muito para acontecer. Vamos acompanhar.

***

Em tempo... 

Mais cedo comentei a Copa de Literatura Brasileira e enquanto escrevia sobre "The Last of Us" me lembrei de um papo recorrente que associa a Copa ao fato de sermos tão fissurados por videogames que criamos um combate literário - como se a literatura pudesse servir para tal finalidade: um contra o outro tendo por objetivo a vitória. Acho prudente dizer que nem todos os participantes da Copa são assim tão ligados em videogame e todos reconhecem logo na largada a dificuldade que é comparar dois livros pela natureza singular e subjetiva de cada obra e gosto (estou falando de uma impressão muito particular, pois não conheço todo mundo da Copa pessoalmente). O intuíto da Copa, como está descrito no site, é promover o debate em torno da ficção brasileira contemporânea expondo as justificativas dos jurados e as falhas no processo de escolher ("premiar"?) o "melhor". Portanto, senhores, aviso que a ocorrência de um texto sobre videogames e literatura ao lado de um outro texto sobre a Copa é mera coincidência. E tenho dito!

Daqui a pouco eu volto com mais... LITERATURA.

*Imagem: reprodução
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JÁ ESTÁ ROLANDO A COPA DE LITERATURA BRASILEIRA 2013


Alô, você! Eu estava ausente e não comentei o início da Copa de Literatura Brasileira - uma das competições mais bacanas das letras nacionais. Funciona assim: na primeira rodada os dezesseis livros selecionados pela organização da Copa são divididos em grupos e avaliados em oito jogos. O melhor avaliado de cada jogo segue para a próxima rodada e assim o torneio continua até que dois livros se encontrem na grande final. A novidade desse ano é a rodada de repescagem em que livros eliminados na primeira rodada de avaliações terão outra chance de voltar ao debate.

O jurado de cada jogo é o responsável pela escolha do livro que segue adiante. Ele tem de justificar os motivos da sua decisão através de um texto caprichado. Os leitores também podem participar comentando as análises e gerando discussões em torno dos livros concorrentes.

Participam dessa edição os escritores Michel Laub, Adriana Lunardi, Elvira Vigna, José Luiz Passos, Alberto Mussa, Bernardo Kucinski, Bartolomeu Campos de Queirós, Suzana Montoro, Daniel Galera, Luiz Ruffato, Paulo Scott, André de Leones, Oscar Nakasato, Paloma Vidal, Ricardo Lísias e João Gilberto Noll.

Entre o ilustre corpo de jurados estou eu - olha a responsabilidade! A Copa está rolando desde a metade de agosto, sempre com jogos às terças e sextas. Até o momento seis partidas da primeira rodada já foram ao ar. Eu participo do JOGO 11 e vou avaliar os resultados dos jogos 5 e 6 que aconteceram nessa semana. O primeiro foi ao ar na terça e o segundo acabou de ser publicado no site da Copa. Muito bem, minha avaliação será sobre Barba ensopada de sangue e Habitante irreal. Uau!

Vem comigo que no caminho eu explico!

*Imagem: reprodução
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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

SOBRE A LITERATURA E SEU TRABALHO SILENCIOSO

Martin Luther King na "Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade" após seu histórico discurso popularmente conhecido como "I Have a Dream", nos Estados Unidos, em 1963
Três anos antes de Bob Dylan e Joan Baez cantarem "When the Ship Comes In" no mesmo palco em que Martin Luther King iria proferir o discurso mais importante da história sobre preconceito racial - popularmente conhecido como "I Have a Dream" -, uma moça branca do Alabama publicou um livro tido como um marco na luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos. Estou falando sobre O sol é para todos, de Harper Lee publicado em 1960.

Joan Baez e Bob Dylan na "Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade", em 1963
Aqui cabe uma afirmação direta: a literatura - ou mesmo as artes, de forma mais abrangente - não é capaz de promover mudanças sociais, embora muita gente diga o contrário. Como sabemos, estas acontecem muito mais por questões externas ao campo das artes (tais como: luta de classes, mobilizações de grupos, fatos históricos como a própria "Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade" liderada por Luther King). O que não significa dizer que a arte ou a figura do escritor não possam promover o debate e a reflexão sobre temas caros a sociedade ou possa captar o espírito de uma época.

Colocando em perspectiva histórica, O sol é para todos encarna as ebulições sociais dos anos 60 e sua publicação foi algo muito inusitado para aquele momento, mas a verdade é que Harper Lee nunca esteve diretamente envolvida com movimentos sociais de luta por direitos civis. De maneira simplista, suas intenções eram discutir temas como o racismo e a injustiça social no sul dos Estados Unidos a partir de uma história verídica que ela presenciou na cidade onde morava quando tinha 10 anos. Ou seja, ela enxergava na sociedade e nesse episódio específico sentimentos tão fortes que a levaram a questionar o motivo de tudo aquilo.

Alguns críticos gostam de apontar outros dois pontos que enfraquecem a ligação entre o livro e a luta por direitos civis: primeiro, o tema central fala sobre o racismo e não sobre os racistas; e segundo, as personagens negras não são bem desenvolvidas e ficam restritas a tipos (caricatura). Não podemos desconsiderar as limitações de pontos de vista impostas naquela época que impediam a autora de escrever um livro mais 'avançado' nos costumes.

Para além dos temas, o sucesso do livro está ligado a maneira magistral como Harper Lee conduz a narrativa usando a voz cativante da personagem Scout Finch e explora suas sutilezas psicológicas. Há também a figura integra de Atticus Finch - o pai da pequena Scout. É um romance de formação bem estruturado, com uma linguagem cheia de ironias e recheado de riqueza visual.

Pode ser que Harper Lee não tenha mudado o rumo da história, mas certamente registrou com dignidade e grandeza a busca por justiça num período muito triste que apesar de todos as conquistas ainda não foi superado. Tomara que o aniversário do discurso de Luther King traga nova luz sobre a luta por direitos civis.

***

P.S.: sobre a questão racial na literatura alguém lembrou da quarta parte de O som e a fúria, de William Faulkner. Dilsey, a governanta negra da família Compson, encarna a fé e a esperança em meio a desgraça que abate a família. Arrisco dizer que este é um dos capítulos mais bonitos de toda a literatura ocidental.

Fotos: Martin Luther King - fonte difusa/reprodução; Bob Dylan e Joan Baez - sem autoria/Wikipedia; Capa/reprodução
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