terça-feira, 27 de maio de 2014

O CONTO EM EVIDÊNCIA


O conto pode seguir desprezado por autores e críticos que enxergam nele apenas uma forma de teste para uma obra de fôlego maior ou ignorado pelo mercado editorial que costuma dizer que o gênero não vende tanto, mas segue vivo desde que surgiu nos primórdios da civilização em forma de história ouvida ao pé de uma fogueira. Lá na aurora do século XIX, muito antes do século XXI existir, o conto emancipou-se com escritores do calibre de E.T.A. Hoffmann, Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant, Tolstói, Tchekhov, Machado de Assis, Balzac, Stendhal, Eça de Queirós, Aluízio Azevedo e toda a turma. No século XX, o conto atingiu sua maturidade formal e espatifou-se em miniconto, microconto, microrelato, flash fiction, conto brevíssimo, pequenos poemas em prosa etc. Por tudo isso, dizer que o conto vive uma “ascenção” nos dias de hoje é duvidoso.

Seja como for, o conto ganhou visibilidade e virou um assunto recorrente. Provavelmente, isso está acontecendo por três motivos: a) o gênero entrou no circuito dos festivais e prêmios; b) editoras e autores estão focados em publicar livros do gênero; c) mudanças na tecnologia (internet, celular e leitores digitais) e no comportamento social (ansiedade, pressa, falta de tempo livre etc,). Não sei se conseguirei destrinchar os três motivos com destreza, por isso, vou mais ilustrar do que analisar.

A Europa, os Estados Unidos e o Brasil tem um festival do conto. Na semana passada, escrevi sobre o assunto depois de conversar com Carlos Henrique Schroeder, idealizador do Festival Nacional do Conto (que está na 4ª edição e deve crescer nos próximos anos) e com Roman Simić, diretor do Festival Europeu do Conto (que está na 13ª edição). Ambos tem entre seus convidados autores iniciantes e veteranos e, ao longo desses anos, certamente contribuíram para jogar luz numa produção meio escondida ou desconhecida para muitos leitores. Assim fazem a roda girar porque encontram autores, críticos e fazem a obra circular entre leitores. Você pode não acreditar, mas esses festivais despertam o interesse do leitor. Outro ponto importante, do ano passado pra cá três autores que são conhecidos pela dedicação a forma curta foram contemplados com prêmios literários internacionais de peso: Lydia Davis ganhou o Man Booker Prize Internacional; Alice Munro ganhou o Prêmio Nobel de Literatura; e, dois meses atrás, George Saunders ganhou o Folio Prize (certo, além dos livros de contos, ele tem já publicou novelas, mas o prêmio foi para seu mais recente livro de contos). Nós ainda não temos nenhum prêmio literário dirigido exclusivamente ao gênero, no entanto nossos principais prêmios (Jabuti, Portugal Telecom, Prêmio SP de Literatura e Machado de Assis, para citar alguns) contemplam o formato. Em alguns casos a categoria divide espaço com crônicas - vai entender. Tá certo que o Jabuti nunca concedeu o prêmio de livro do ano para uma obra de contos. Quem sabe agora não pinta um desses?

Antes da internet, muitos jornais/revistas literárias (aqueles de crítica séria) costumavam publicar contos. Havia também as famosas antologias. Depois vieram os fanzines que ajudaram bastante a cena de autores independentes dos anos 80/90. Finalmente, surgiu a internet em seu formato comercial e popular que trouxe uma enxurrada de textos curtos e mais autores. Até que, de uns 5 anos para cá, as experiências de publicação digital ficaram mais acessíveis e começaram a virar realidade. Quem não lembra da revista Electric Literature? Recentemente, os editores criaram um blog chamado Recommended Reading que publica uma história por semana escolhida por alguém bacana. Por aqui existe a Cesárea, uma revista eletrônica com um formato parecido - só que um pouco menos multimídia. Outras experiências bem sucedidas são os selos Atavist e E-galáxia com a coleção Formas Breves. Eles também publicam um conto por semana que são vendidos exclusivamente para leitores digitais com preços baixos. Não me informei muito, mas parece que a Amazon também criou um serviço semelhante chamado Kindle Singles. Alguns autores também estão tentando o caminho da autopublicação - um pouco mais trabalhoso, mas ao que parece está ganhando contornos reais a cada dia.

Pense também que autores consagrados como Hilary Mantel e Margaret Atwood também vão entrar para a dança e prometem publicar livros de contos até o final do ano. O livro da Mantel vai chamar The assassination of Margareth Thatcher; da Atwood vai chamar Stone Mattres. Quem sabe, Eleanor Catton (The Luminaries tem mais de 800 páginas) e Donna Tartt (Goldfinch tem mais de 700 páginas) também não se animan?

O último motivo me parece diretamente ligado ao motivo anterior: as novas tecnologia dos celulares e leitores digitais estão ficando mais amigáveis. Veja, por exemplo, o fenômeno dos aplicativos para celular que permitem ler e acompanhar histórias curtas a todo momento. Além disso, existem esses aplicativos que são como redes sociais para você publicar e compartilhar pequenos textos e histórias com seus “seguidores”. Os leitores digitais também ficaram mais baratos, mais leves e emulam muito bem a sensação do papel (se é que isso realmente importa para quem gosta de ler). Me parece um caminho sem volta porque o comportamento social também mudou para “acompanhar” os “novos tempos”. Basta caminhar pela rua para perceber que muita gente está com os olhos e os dedos fixos no celular. Isso para não mencionar o fato de que muita gente reclama da falta de tempo para sentar e ler um livro - melhor pegar o celular.

O que o futuro nos reserva só o tempo dirá. Mas não se desespere, não saia por aí arrancando os cabelos ou investindo seu suado dinheirinho numa startup - a não se que você já tenha alguma experiência no negócios e saiba fazer investimentos. Não quero parecer apocalíptico, pelo contrário. Os livros longos (conhecidos como catataus) vão continuar existindo. A maior prova disso é o sucesso de vendas da monumental novela Game of Thrones - muita gente carrega aqueles livros para cima e para baixo nas ruas -, de Moby Dick, Os detetives selvagens e dos premiados The Luminaries e Goldfinch. Da mesma forma, o conto vai continuar vivendo, seja curto ou curtíssimo. A lição que fica é importa: as pessoas querem uma boa história, não importa a sua extensão.

***

Aproveitando o assunto, para você que ficou empolgado e está buscando um livro que seja de forma breve tenho quatro recomendações:


Para a próxima mágica vou precisa de asas
ALEX EPSTEIN
Nau Editora

Seus minicontos mal ultrapassam o tamanho de uma página. Alguns tem o tamanho de uma linha. Você pode pensar em Lydia Davis, mas a verdade é que as histórias Alex Epstein são muito mais surreais e misteriosas. Passam um pouco ao largo daquele instante cotidiano que explode em significados quando ganham o olhar do narrador - marca de Davis. Tem qualquer coisa de Borges e Monterroso.


Tipos de perturbação
LYDIA DAVIS
Companhia das Letras

Talvez a autora dispense apresentações porque no ano passado seu livro foi bastante comentado por aqui, ganhou um prêmio importante e de quebra ela esteve na FLIP. Aqui as histórias são de uma sensibilidade enorme, tem humor e tristeza a partir de um ponto de vista muito particular. Vão de uma linha a três páginas. Tem qualquer coisa de Kafka.



Dez de dezembro
GEORGE SAUNDERS
Companhia das Letras

O livro entrou para lista de melhores do ano passado, foi finalista de vários prêmios e levou para casa o Folio Prize, dois meses atrás. A tradução acaba de chegar por aqui. Tem um pouco daquela tradição contística norte-americana de John Cheever e Raymond Carver, mas com uma pegada mais atual e tragicômica.




Estórias mínimas
JOSÉ RESENDE JUNIOR
7 Letras

É o caso de um autor cuja obra é inteiramente voltada ao conto - num português bem brasileiro. Os dois primeiros livros dele tinham contos mais longos, mas nesse livro ele pratica a forma brevíssima. Tem muito humor e doses demasiado humanas de amor e solidão na medida certa. Dá pra ler em menos de duas horas e apreciar para a eternidade.



Não resisti e vou recomendar também dois clássicos da forma curta:

Novelas nada exemplares
DALTON TREVISAN
Record

O autor mais recluso da nossa literatura (não perde nem para Rubem Fonseca e Raduan Nassar) é também o responsável por formatar o miniconto em nossas terras. Aqui ele faz referência ao famoso livro de Cervantes, mas enche Curitiba de tédio e a melancolia para desfilar histórias do submundo e da morte. Estão lá os suicidas, as prostitutas, as moças para casar, os homens comuns. Um detalhe interessante: o livro foi publicado em 1959 e marca a estreia de Trevisan na literatura brasileira. O crítico Otto Maria Carpeaux e o escritor Carlos Heitor Cony apontam o livro foi um divisor de águas.


A ovelha negra e outras fábulas
AUGUSTO MONTERROSO
Record

Infelizmente, o livro está fora de catálogo, mas tem uma particularidade: foi traduzido para o português por Millôr Fernandes e ilustrado por Jaguar. Não é possível encontrar nem em sebo. Quem sabe com a FLIP em homenagem a Millôr e a visibilidade dos minicontos, alguém tenha a bondade resgatá-lo. Monterroso é um autor guatemalco que passou a maior parte da vida no México. Ficou conhecido por ter escrito o menor conto do mundo O dinossauro (note que esse microconto não está nesse livro) e inspirou essa onda de formas curtas que explodiram na literatura de agora, agora. Tem formato humorístico e faz paródias com as fábulas da antiguidade clássica. Isaac Asimov disse que jamais foi o mesmo depois de ler O macaco que 
quis ser escritor satírico (esse está nesse livro). 

*Imagens: minilivro/reprodução Google Images; capas/divulgação.

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sexta-feira, 23 de maio de 2014

OS CÉUS DE BRASÍLIA: UMA ENTREVISTA COM JOÃO ALMINO

@redrimell
O escritor João Almino recebeu boas críticas na Irlanda, nos Estados Unidos e na França depois que seus romances Cidade livre e O livro das emoções foram traduzidos para o inglês e o francês. O livro das emoções chegou a ser indicado para o Dublin Literary Award 2014, mas infelizmente ficou fora da seleção de finalistas. Valeu a menção. Dizem que o romance causou um pequeno burburinho por lá. Almino concedeu uma entrevista a rádio RTE para falar do romance. Na França, Cidade livre esteve nas páginas do Le Fígaro e no blog do Le Monde. Em junho ele participa do Festival Étonnants Voyageurs em Saint-Malo, na França. Vejam, não estou querendo dizer com isso que ele seja um fenômeno de vendas nesses países. Pode ser um reconhecimento específico e pequeno, mas não deixa de ser interessante para um autor encontrar leitores de outros países interessados em seus livros.

No Brasil, os livros de João Almino foram publicados pela editora Record e também foram bem de crítica, diga-se de passagem. Nos Estados Unidos e na Irlanda, os romances saíram pela Dalkey Archive Press que costuma traduzir e publicar literatura do mundo todo com características mais experimentais. A mesma editora já publicou, por exemplo, Ignácio Loyola de Brandão, Ivan Ângelo, Osman Lins e Paulo Emílio Sales Gomes. Na França, Hôtel Brasilia (Cidade livre) saiu pela Editions Métailié.

Vale registrar que além de João Almino, também participam do Festival Étonnants Voyageurs os brasileiros Raimundo Carrero, Marcelino Freire, Ana Paula Maia, Bernardo Carvalho, Patrícia Melo, Luiz Ruffato, João Paulo Cuenca e André Diniz.

Aproveitando a boa recepção, o jornalista, tradutor e crítico Jonathan Blitzer entrevistou João Almino para o falar a respeito de sua obra.

@zabumba

OS CÉUS DE BRASÍLIA: UMA ENTREVISTA COM JOÃO ALMINO

Jonathan Blitzer: Você é natural do nordeste do Brasil – Mossoró – mas, seus romances o levaram ao coração geográfico do país: Brasília. Como é que você chegou até lá, exatamente?

João Almino: Eu não queria revisitar a literatura regionalista nordestina que eu tanto admirava e queria tomar como ponto de partida a literatura brasileira dominante da época. Brasília representava o novo. Era de certa forma um espaço vazio, sem tradição literária, e, por isso, me deu mais liberdade para criar. Eu conhecia a cidade porque tinha vivido lá por alguns meses em 1970 e também depois, em três ocasiões diferentes. Gostaria também de acrescentar que era fácil levar o nordeste a Brasília, uma cidade de imigrantes.

O que mais te interessa em Brasília?

Em primeiro lugar, a cidade como um símbolo ou um mito que, como projeto, acompanha toda a história do Brasil independente. Também a cidade como uma metáfora para o mundo moderno, com suas promessas e suas frustrações. A tensão entre o projeto futurista, a utopia, e o atual caos urbano. O contraste entre os elementos racionais do projeto, ainda visíveis no chamado Plano Piloto, e os desenvolvimentos irracionais espontâneos que a rodeiam nas cidades-satélites e comunidades místicas. Além disso, a cidade como uma encruzilhada de vários Brasis e sua natureza transcultural, através da qual eu posso ver o país como um todo.

Você tem alguma memória particular do crescimento de Brasília? Você era apenas um menino quando a cidade estava em desenvolvimento... e, no entanto, imagino que de alguma forma você deve ter sentido aquela novidade...

Eu não vivi em Brasília naquela época, mas tenho memórias de infância da cidade, ler sobre o assunto em jornais e revistas, ouvir histórias de membros da família que estavam lá durante a construção e até mesmo acompanhar na rádio todos os acontecimentos da inauguração. A construção de Brasília atraiu a atenção não só dos brasileiros de todos os cantos, mas também de estrangeiros que ficaram fascinados com a ousadia de seu projeto.

Quando você começou a escrever Ideias para onde passar o fim do mundo, você imaginava que viriam outros cinco romances sobre Brasília?

Neste primeiro romance, cada capítulo tem uma personagem principal. No início, eu pensei que cada uma dessas personagens merecia um romance próprio. Embora algumas dessas personagens tenham aparecido em livros posteriores, quando eu escrevi o meu segundo romance, ficou claro para mim que nem todos precisavam de um maior desenvolvimento. Às vezes, personagens menores prevaleciam, e novas personagens continuavam chegando.

Em As cinco estações do amor, uma personagem diz: “Minha juventude está perdida. A Brasília do meu sonho de futuro está morta. Reconheço-me nas fachadas de seus prédios precocemente envelhecidos, na sua modernidade precária e decadente”. Este romance, e o que veio depois dele, O livro das emoções, são livros nostálgicos, melancólicos. Mas esses sentimentos também foram proporcionais a um senso de possibilidade e uma crença na regeneração. Esta saudade não parece tão presa ao passado quanto ligada ao futuro. No caso de Ana, suas lamentações sobre o passado são quase menos acentuadas do que o fato de sentir "o seu sonho do futuro" desaparecer.

Um aspecto interessante é que Brasília representa o moderno, que agora pode ser visto como passado. Lá, as ruínas do moderno estão presentes. Brasília radicalizou uma característica do próprio Brasil: ser uma cidade do futuro, que ainda não tem passado, por assim dizer. Há pouca esperança e uma grande quantidade de memória. Mas, claro, a realidade pode provar que o novo tem a sua história, a sua memória; nada pode ser criado a partir do zero, e a utopia em vez de significar um futuro sempre inatingível pode ser redefinida como uma forma de reorganizar o presente. Em As cinco estações do amor, Ana tenta esquecer para renascer. Indo na direção contrária, em O livro das emoções, Cadu tenta viver através da memória. De certa forma, ambas são tentativas frustradas, mas tem resultados significativos. Tanto o ato de tentar apagar o passado, como a tentativa de recuperá-lo, deixam suas próprias marcas, criando uma nova realidade: as histórias que realmente importam.

O pensamento de Ana me lembra uma frase do romancista argentino Juan José Saer num livro chamado El entenado. Um velho olha para trás em sua vida e num ponto diz: “Y si ahora que soy un viejo paso mis días en las ciudades, es porque en ellas la vida es horizontal, porque las ciudades disimulan el cielo". A Brasília dos seus livros pode ser o oposto. Como a cidade cresce para cima, Ana sente que sua vida se torna cada vez mais horizontal, até um pouco estagnada.

Brasília, que parece ser apenas o céu, pode ser redescoberta através de vidas reais e dramas verdadeiros. Na medida em que Ana olha mais atentamente ao seu redor, ela vai encontrar dimensões inesperadas de sua vida que vão tirá-la da inércia em que ela estava.

Depois temos Cadu, de O livro das emoções. Ele é um fotógrafo de profissão, um filantropo e bon vivant que vive seus últimos anos sozinho e cego. E, no entanto este é o lugar onde sua história começa. Evoca alguém como Brás Cubas, de Machado de Assis: o brilho final, o autoconsciente quebra-cabeças da memória. Quão presente Machado de Assis estava enquanto você escrevia este livro? Borges também está sempre presente. Você poderia falar onde você buscou inspiração para este romance?

Cadu é um fotógrafo no meu primeiro romance. Depois de publicar o meu terceiro romance, As cinco estações do amor, onde o narrador, em primeira pessoa, é uma mulher que teve um caso com Cadu, eu pensei que tinha chegado o momento de escrever um romance a partir de sua perspectiva. Pensei num álbum de fotografias que tinha um significado especial para a personagem, e cuja descrição poderia por si só criar um enredo. Fazer de Cadu um cego que recria suas fotografias pela memória, faria dele o tipo de narrador que eu precisava para transmitir ao leitor essas imagens exclusivamente através de palavras. Eu também adicionei uma camada de reflexão sobre a fotografia. Há muito tempo eu tive a ideia de escrever um ensaio sobre fotografia que nunca escrevi. Assim, fragmentos deste possível ensaio foram espalhados em alguns pensamentos e observações de Cadu. Quanto a Machado e Borges, não tentei imitá-los, mas concordo que alguma inspiração para aspectos ou passagens deste livro pode ter vindo deles: Borges, afinal, era cego, e a perspectiva de um velho manter uma distância de si mesmo para ver melhor o seu passado está presente em seus contos. Cadu pode ser visto como um Brás Cubas, mas a estrutura do livro, em forma de diário, pode ser comparada mais com Memorial de Aires, o último romance de Machado, como observou um crítico brasileiro.

Quando você começou a trabalhar em O livro das emoções num sentido mecânico? Basicamente, o livro é uma articulação de dois diários separados escritos por Cadu em dois momentos diferentes de sua vida. Quão entrelaçadas estavam essas histórias quando você começou?

O diário refere-se à descrição e comentários sobre as fotografias do “livro das emoções”, uma espécie de álbum sentimental. Assim eu tive que articular o diário e o álbum juntos. As fotografias foram tiradas há muitos anos, mas o que o leitor lê é o que está na mente do narrador quando ele recorda cada uma delas. Enquanto o narrador compõe com fotografias este livro de seu passado, ele vive sua vida cotidiana, que é o descreve o diário.

Qual era o "tempo presente" em que você estava operando no momento de retroceder e avançar entre os dois momentos na vida de Cadu?

Na verdade estou sempre lidando com o presente. O futuro imaginário em que o fotógrafo observa seu passado e compõe seu diário serve o propósito de combinar o passado narrado com o nosso presente.

Quem são os autores que mais te inspiraram?

Não sei se aprendi as lições, mas os escritores brasileiros que eu mais admiro são Machado de Assis, Graciliano Ramos e Clarice Lispector. Além deles e para manter a lista curta, devo mencionar Borges, Proust e Dostoiévski.

Sua formação como um filósofo – é uma identidade que você mantém separada da sua vida como romancista?

Sim. Os processos são muito diferentes e no meu caso não coincidem no tempo. Embora eu tentasse escrever ficção desde o início, primeiro publiquei alguns ensaios em filosofia. Quando comecei a publicar meus textos de ficção, abandonei a escrita na filosofia, com exceção de alguns ensaios – mas não completamente a leitura de filosofia. Eu nunca tentei transferir minhas indagações filosóficas para os romances. No entanto, indiretamente, um pouco da minha formação filosófica pode ter inspirado ideias, algumas às vezes de maneira irônica em alguns dos meus personagens. Por exemplo, em As cinco estações do amor, Ana desenvolve uma chamada “filosofia da instantaneidade”. Esta filosofia é a respeito de alguns dos atuais conceitos de tempo real, o que a filosofia do humanitismo proposto pela personagem de Machado (Quincas Borba) foi para as ideias evolucionistas do século XIX. Ele usa algumas premissas válidas para chegar a algumas conclusões absurdas. No caso da instantaneidade, o conceito em si precisa ser redefinido quase a cada novo instante.

Você está trabalhando em alguma coisa agora?

Depois dos romances que você mencionou, eu publiquei Cidade livre e agora estou trabalhando em outro romance. Não gosto de falar sobre o trabalho em andamento. O que eu posso dizer é que, neste romance, minhas personagens deixam Brasília por um momento e até passam algum tempo na Espanha.

A entrevista acima foi originalmente publicada pelo Buenos Aires Review e traduzida com autorização de Jonathan Blitzer.

@amorimbora

***

Trecho do romance Cidade livre publicado pela editora Record, em 2010.

(...)

Minha insônia de hoje é o prolongamento daquelas horas quando, na escuridão da noite, eu ouvia barulhos de bêbados pela rua, os latidos de meu cachorro Tufão, as araras que moravam no fundo da casa ou alguma coruja solitária, e abria os olhos para o caleidoscópio de cinzas e negros que desenhavam monstros nas paredes.

Para dar vida à história, bastava eu me transpor para um dia de minha infância, me imaginar no meio de uma avenida da Cidade Livre, e então veria minhas tias desfilando suas formas e trejeitos, Valdivino sentado em frente a uma mesinha  transcrevendo cartas, papai conversando na porta de um bar, uma menina de tranças e olhos negros andando de bicicleta, Tufão me seguindo, e veria o colorido das lojas, dos prédios de madeira, carros gordinhos e pretos estacionados na lateral com seus pneus exibindo círculos brancos, e então subiria um cheiro de gasolina, de óleo, de monturos e bostas de cavalo, e apareceriam em tela grande e colorida histórias de crimes, pecados, desesperos e grandes futuros.

Olho para um dia de minha infância e vejo três personagens masculinos conversando em frente a nossa casa, para onde tia Francisca acaba de trazer algumas cadeiras, e nem preciso descrever para vocês a casa de madeira e sem calçada igual a tantas outras que se veem nas fotografias daquele tempo, em frente à qual, eu dizia, os três personagens conversam conversas silenciosas, gesticulam frases, enunciam palavras que não ouço ou, se ouço, não entendo e, se entendo, não me interessam, um deles de rosto oval, branco e bem barbeado, com alguma marca de desgosto, olhar agudo e jocoso, expressão de homem bem-sucedido, que acumulou experiências pela vida. Tufão está sentado a seu lado, ouvindo suas conversas de orelha em pé. É papai.

O segundo, com mãos para trás das quais desce o chapéu, tem um corpo musculoso e bem moldado, ar firme e franco em seu rosto queimado de sol, bigodes bem aparados, e quem o olhasse sentiria inveja de sua aparência feliz. É Roberto, quando ainda não se sabia se seria namorado de tia Francisca ou de tia Matilde.

O terceiro, de uma simplicidade tosca, com um chapéu grande demais para sua cabeça pequena, é conversador, parece inteligente e é o único com esporas nas botas, tendo chegado montado num burro, mas, se atrai minha atenção, é por sua fragilidade. Quando tira as mãos dos bolsos, gesticula sem parar, balança-se para a frente e para trás sobre suas pernas de cambito e dá a impressão de que sairá voando se soprado pelo vento. Os outros dois, quando passam por ele, o olham de cima para baixo. Pela descrição vocês já terão adivinhado: é Valdivino.

Que saudades são essas que sentimos de uma felicidade inventada pela lembrança? Não, não é de hoje minha desconfiança nem minha dúvida, que já estavam lá nos meus tempos de menino, mas tive de esperar vários anos para percebê-las. Meus desejos mudaram, minhas aspirações são outras, já fui bem-sucedido antes de perder quase tudo, mas as horas passam da mesma forma em outros relógios, e o sol, diante das construções que encheram a paisagem, pinta com as mesmas cores a manhã e as esconde igualmente no crepúsculo. Você, meu único e fiel seguidor do blog, tem razão, por que remexer no que está quieto e esquecido?

Naquela primeira noite em que reencontrei papai para tirar minhas dúvidas, ele negou o assassinato de Valdivino, era delicado para mim ressuscitar a velha suspeita, e era melhor, ele me disse, acreditarmos na versão da profetisa do Jardim da Salvação, Íris Quelemém, de que Valdivino não havia morrido e talvez nunca viesse a morrer, sempre fora um insone e um sonâmbulo, ainda andava solto, caminhando dia e noite pela floresta, em busca de Z, a cidade perdida. Deixa isso pra lá, João, são águas passadas.


Às vezes, quando eu ficava recolhido a meus devaneios, me invadia a memória nossa vida na Cidade Livre, feita de lugares e cenas, bem como de histórias de papai, de minhas tias e de outros personagens à nossa volta — entre eles, principalmente Valdivino —, as coisas, fatos e pessoas de minha infância dispostos como numa enorme fotografia de família ou como num tabuleiro distante onde a variedade já se havia desfeito na uniformidade imposta pelo tempo. Somente papai podia, pela primeira vez, reorganizar as peças daquele tabuleiro e retirar da imobilidade a minha memória. É que ele não está morto, ninguém o matou, papai me respondia, está viajando ou apenas dormindo, como Íris disse.


*Fotos: reprodução do Instagram - a autoria está descrita na legenda de cada foto. 
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terça-feira, 20 de maio de 2014

BRASIL SERÁ HOMENAGEADO NO FESTIVAL EUROPEU DO CONTO

O país do futebol mostra ao país das boas cervejas um pouco da sua literatura.


Uma semana antes do Brasil enfrentar a Croácia no jogo de abertura da Copa do Mundo, as cidades de Zagreb e Šibenik (que fica no litoral sul da Croácia e foi abençoada pela natureza com uma paisagem deslumbrante) vão receber o Brasil como país homenageado da 13ª edição do Festival Europeu do Conto. Em outras edições foram homenageados Irlanda, Escócia, Catalunha, Holanda e País de Gales. O que motivou o convite dos organizadores ao Brasil foi a exposição constante da literatura brasileira em grandes eventos literários recentes como as Feiras de Frankfurt, Guadalajara e Berlim.

Os escritores Ana Paula Maia, João Anzanello Carrascoza, João Paulo Cuenca e Paula Parisot serão os representantes da nossa literatura. O processo para seleção desses autores foi um pouco longo. Os organizadores do festival pediram uma pequena lista com sugestões a Paula Parisot (organizadora a antologia internacional La invención de la realidad. Antología de cuentos brasileños lançada na Feira de Guadalajara do ano passado) e Sophie Lewis - da agência literária AndOtherStories - que vive no Rio de Janeiro. A partir dali, eles afinaram a seleção buscando informações, recomendações, lendo um pouco da obra de cada autor em antologias, artigos e reportagens até escolherem os quatro brasileiros. Outros 20 escritores de diferentes nacionalidades completam a programação, entre eles o austríaco Robert Menasse, o britânico Jon McGregor e o norte-americano David Vann cujo romance A ilha Caribou acaba de ser publicado pela editora Record.

É interessante notar que nenhum dos quatro autores brasileiros tem livros publicados na Croácia. "A literatura brasileira não é muito conhecida por aqui. Nos últimos 20 anos, e com mais intensidade recentemente, a maioria dos escritores que foram traduzidos são de gerações mais velhas como Raduan Nassar, Rubem Fonseca, Jorge Amado e Clarice Lispector. Nós estamos convidados jovens autores contemporâneos", conta por e-mail Roman Simić, diretor de criação do festival. A participação dos brasileiros pode despertar o interesse de editores locais e consequentemente a tradução de suas obras no país.

A popularidade do gênero, a grande tradição contística e a paixão são os ingredientes principais que motivam a realização do festival todos os anos. “Nós acreditamos que o conto pode construir um universo inteiro em poucas páginas. O conto tem tudo o que um leitor precisa: é rápido, diversificado, pode comunicar tudo e costuma ser escrito por amor, não por dinheiro”, diz Roman. Uma qualidade do gênero que ele ressalta é a sua integridade “não é possível fingir ou enganar um leitor quando você lê ou ouve um conto. Você cumpre ou não cumpre a tarefa proposta, ao contrário do que pode acontecer na leitura de fragmentos de romances (o trecho pode ser bom, mas o restante pode falhar como um todo)”, conclui.

Quando pergunto se o Prêmio Nobel de Literatura concedido a Alice Munro no ano passado modificou a maneira como os leitores encaram o conto, ele responde “muitos escritores, além de Alice Munro, já demostraram a importância do gênero. O ofício de escrever contos não é uma ‘etapa’ para se tornar escritor. O conto requer diferentes habilidades e talentos únicos”. Para Roman, o problema quanto ao reconhecimento do gênero não está nos autores e leitores “acho que eles gostam; para eles tudo funciona”, mas no mercado literário: “editoras e livreiros não são apaixonado por contos, porque eles acreditam que não vende como gostariam. É um círculo vicioso: como poderia vender se eles não investem?”.

Para descontrair, haverá uma partida de futebol amador entre Brasil e Croácia batizada de “abertura antes da abertura” - em alusão ao jogo da Copa do Mundo. O time do “Brasil” será formado por escritores internacionais e o time da “Croácia” será formado por artistas da banda croata Pips, chips & Videoclips. Roman espera que os escritores brasileiros (João Paulo Cuenca e João Anzanello Carrascoza) liderem o time do Brasil. Resta saber se Cuenca (flamenguista inveterado) e Carrascoza são tão bons em futebol, quanto em literatura? Protejam suas canelas.

O festival acontece de 1 a 6 de junho e a partida de futebol será no dia 2, às 13h (horário croata).




*Fotos: edições anteriores do Festival Europeu do Conto/Reprodução.
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segunda-feira, 19 de maio de 2014

TRÊS PERGUNTAS PARA CARLOS HENRIQUE SCHROEDER


Começa hoje a vai até domingo a 4ª edição do Festival Nacional do Conto, no Teatro do SESC Prainha, em Florianópolis. Será uma oportunidade única de ouvir diferentes gerações de escritores brasileiros falando sobre a arte de uma forma breve. O autor homenageado será Sérgio Sant'Anna. A programação também terá Altair Martins, Daniel Pellizari, André Sant’Anna, Fernando Bonassi, Márcia Denser, Noemi Jaffe, Cíntia Moscovitch, Luísa Geisler e outros mais. Aproveitando a oportunidade, fiz três perguntas para o idealizador do festival, Carlos Henrique Schroeder.




1) Como surgiu a ideia de criar um festival dedicado exclusivamente ao gênero conto?

Há festivais de narrativas breves na Europa, na Ásia, na América do Norte, mas a América Latina, de contistas como Pablo Palacio, Borges, Cortázar, Dalton Trevisan e muitos outros, não tinha nenhum. Como estudo há muitos anos essas formas breves e sou um contista da gema, me pareceu um caminho natural tentar articular algo além da própria escrita: um festival que pudesse abrigar os contistas, dar voz para eles e às suas obras. Já estamos na quarta edição e crescendo a cada ano, em breve partimos para a internacionalização, para trazer os latinoamericanos também.

2) Você acredita que o conto vai se tornar cada vez mais importante no mundo de hoje, onde as pessoas não têm muito tempo ou paciência para dedicar muito tempo aos livros longos?

Acho que esse é um mito, a questão do tempo e do tamanho da leitura.  As pessoas querem boas histórias, independente do tamanho. O conto vai muito bem, obrigado, na América do Norte, por exemplo, onde os contistas têm espaço na mídia e nas grandes editoras, mas muito mal no Brasil, onde o trio grandes editoras, jornais e eventos literários vão pasteurizando tudo, e tentando criar uma tradição romanesca na marra, tentando achar o “grande-jovem-romancista-brasileiro” e blá-blá-blá... Gente, eu vou citar quatro nomes: Rubem Fonseca, Sérgio Sant’Anna, Luiz Vilela e Dalton Trevisan. Todos contistas da gema, todos vivos e produzindo, então pensem na potência do conto brasileiro.

3) No ano passado, a escritora canadense Alice Munro ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Ela é uma escritora conhecida por publicar apenas contos. Você acha que o conto está finalmente sendo reconhecido como um gênero importante e um escritor não precisa mais escrever um romance ou novela para provar o seu talento?

O conto já teve diversos períodos prósperos na história da literatura universal e da brasileira, e um escritor sabe quando tem um conto, uma novela ou um romance na mão, então acho um erro se pautar pelo mercado. Nós fazemos concessões o dia inteiro, com os amigos, com os colegas de trabalho, na vida familiar, mas fazer concessões na arte, ao mercado editorial, é um erro, um triste erro. Tenho vários amigos que pararam de escrever livros de contos, com medo da rejeição da editora ou do leitor, é o mercado dando as cartas, uma tristeza.




*Foto: reprodução do site do autor

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quinta-feira, 15 de maio de 2014

JONATHAN SAFRAN FOER EM COPOS DESCARTÁVEIS


Jonathan Safran Foer é mesmo um sujeito inquieto. Um dia, ele estava sentado numa das mesas do restaurante de comida mexicana Chipotle sem nada para fazer e teve uma ideia: colocar pequenos textos nos copos descartáveis dos clientes a fim de distraí-los. Pois bem, a ideia foi aceita pelo restaurante norte-americano e os copos e sacolas começaram a circular nessa semana.

Os textos são assinados pelo próprio Safran Foer e por Malcolm Gladwell, Toni Morrison, George Saunders e Michael Lewis.

Será que alguma rede brasileira de comida bancaria a mesma ideia? Já pensou tomar um suco e depois ler no seu copo textos do Ricardo Lísias, Flavio Izhaki, Bernardo Carvalho e tantos outros?

Para quem não lembra, Foer é o autor dos romances Tudo se ilumina e Extremamente alto & incrivelmente perto. Também foi responsável pelo projeto do livro-objeto Tree of Codes baseado numa novela do escritor Bruno Schulz. Ele está preparando um novo romance que deve ser publicado nos Estados Unidos até o final desse ano. Vai se chamar Escape from Children's Hospital. Conta a história de um garoto de 9 anos que vive uma experiência traumática que afeta para sempre a sua vida e a vida das pessoas ao seu redor.


Abaixo tem o texto do Foer que está num dos copos da Chipotle (para quem tá morrendo de vontade de ler):


Two-Minute Personality TestBy Jonathan Safran Foer

What’s the kindest thing you almost did? Is your fear of insomnia stronger than your fear of what awoke you? Are bonsai cruel? Do you love what you love, or just the feeling? Your earliest memories: do you look though your young eyes, or look at your young self? Which feels worse: to know that there are people who do more with less talent, or that there are people with more talent? Do you walk on moving walkways? Should it make any difference that you knew it was wrong as you were doing it? Would you trade actual intelligence for the perception of being smarter? Why does it bother you when someone at the next table is having a conversation on a cell phone? How many years of your life would you trade for the greatest month of your life? What would you tell your father, if it were possible? Which is changing faster, your body, or your mind? Is it cruel to tell an old person his prognosis? Are you in any way angry at your phone? When you pass a storefront, do you look at what’s inside, look at your reflection, or neither? Is there anything you would die for if no one could ever know you died for it? If you could be assured that money wouldn’t make you any small bit happier, would you still want more money? What has been irrevocably spoiled for you? If your deepest secret became public, would you be forgiven? Is your best friend your kindest friend? Is it any way cruel to give a dog a name? Is there anything you feel a need to confess? You know it’s a “murder of crows” and a “wake of buzzards” but it’s a what of ravens, again? What is it about death that you’re afraid of? How does it make you feel to know that it’s an “unkindness of ravens”?

Imagem: reprodução do site VanityFair.
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terça-feira, 13 de maio de 2014

O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AGORA?



Nas duas últimas semanas o Twitter (aquela rede social dos 140 caracteres) ganhou dois novos usuários ilustres: os escritores David Mitchell (@david_mitchell) e Ricardo Lísias (@ricardolisias). 


Ao contrário do que parece não se trata de um novo experimento literário usando o microblog. Mitchell vai publicar seu novo romance The Bone Clock, em setembro, e está aproveitando o serviço para promover o livro. Já Lísias - que não vai publicar nenhum livro por enquanto - está usando o serviço para se comunicar mesmo.

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Em tempo, Os mil outonos de Jacob de Zoet, de David Mitchell (com tradução de Daniel Galera) deve chegar às livrarias no segundo semestre e Divórcio (um livro muito genial sobre o qual eu gostaria de escrever algumas linhas) continua na recebendo boas resenhas.

*Imagem: reprodução da tela do Twitter.

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WALLACE ESTÁ CHEGANDO



Veja bem, eu não confirmei a veracidade dessa informação, mas li por aí que a tradução de Caetano Galindo para o romance-monumental Infinite Jest, de David Foster Wallace deve chegar às livrarias brasileiras em novembro. Parece que o título em português brasileiro será... GRAÇA INFINITA (o livro saiu em Portugal com o título A piada infinita). Eu achei uma graça - com o perdão do trocadilho. Tomara que o título seja esse mesmo.

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No ano passado, a revista CULT publicou um pequeno trecho da tradução feita por Galindo. Substância - para matar a nossa curiosidade enquanto novembro não chega.

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Em tempo, parece que tanto a família de David Foster Wallace quanto a editora de seus livros no Estados Unidos não estão de acordo com o filme "The End of the Tour", dirigido James Ponsoldt. Eles publicaram um comunicado dizendo que não apoiam o filme e nem o consideram uma homenagem a memória do autor. Resta saber se vão entrar com alguma medida legal para impedir as filmagens que já começaram.

*Imagem: capa da edição norte-americana de Infinite Jest/Reprodução.
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quinta-feira, 8 de maio de 2014

PYNCHON EM PÚBLICO 2014 (#PYNCHONINPUBLIC2014)



"Um grito atravessa o céu. Já aconteceu antes, mas nada que se compare com esta vez."

Hoje é dia de comemorar mundialmente o aniversário do escritor mais recluso dos Estados Unidos: Thomas Pynchon. Ele está completando 77 anos com 8 livros monumentais na bagagem (felizmente, quase todos já foram publicados no Brasil). O mais recente, Bleeding Edge está nos planos de futuros lançamentos da Companhia das Letras ainda sem data prevista.  

Para entrar na dança o blog Pynchon in Public Day pede que os leitores coloquem o nome de Pynchon em circulação espalhando evidências públicas de que sua obra está entre nós. Vale tudo: desde colocar o trecho de algum livro, um vídeo, desenho ou uma foto no seu blog, Facebook, Twitter, Instagram ou qualquer rede social de sua preferência até organizar debates, encontros e rodas de leitura. O importância é espalhar Pynchon e seu universo por aí. A celebração já dura nove anos.

Na foto acima, tem a insígnia "W.A.S.T.E." junto ao clássico O arco-íris da gravidade.

Replicando o lema dos organizadores: "É simples, é inevitável e já começou".

*Foto: Rafael R.

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A LITERATURA VAI AO CINEMA... E A TV

Ontem, na minha empolgação de falar das únicas exibições dos documentários sobre Mário de Andrade e Caio Fernando Abreu, esqueci de comentar outros dois casos em que a literatura vai ao cinema e a televisão, como você preferir.


O primeiro é a adaptação para o cinema do romance Mãos de cavalo, de Daniel Galera. A tarefa está nas mãos de Roberto Gervitz que além da direção, também assina o roteiro (parece que ele levou dois anos trabalhando nessa etapa até chegar a versão final). As filmagens começaram no meio de abril e devem seguir até o final de maio nas cidades de Porto Alegre e Farroupilha. O elenco terá Armando Babaioff, como Hermano, e Mariana Ximenes, como Adri. 

Fãs do livro estão curiosos para saber como o diretor vai dar conta do enredo fragmentado. É esperar pra ver. A estreia está prevista para o ano que vem.

O outro caso está nas mãos do diretor de cinema e televisão Luiz Fernando Carvalho. Numa entrevista concedida a revista Serafina, ele contou que seus planos futuros incluem uma adaptação do romance Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves publicado em 2006 e ganhador do Prêmio Casa de las Américas; uma minissérie baseada em A aldeia de Stepántchikovo e seus habitantes, de Dostoiévski; e uma adaptação de Dois irmãos, de Milton Hatoum. Resta saber se o primeiro e o último serão para a TV ou cinema.

Luiz Fernando é um sujeita bastante inquieto e está a frente de trabalhos incríveis e audaciosos como o filme Lavoura arcaica (baseado no livro de Raduan Nassar) e as minisséries A pedra do reino (baseada no livro de Ariano Suassuna), Capitu (baseado em Dom Casmurro, de Machado de Assis), Subúrbia (em colaboração com o escritor Paulo Lins), Alexandre e outros heróis (baseada no livro de Graciliano Ramos) e tantas coisas mais. Referências literárias e boas histórias não lhe faltam.

*Foto: divulgação.

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terça-feira, 6 de maio de 2014

A LITERATURA VAI AO CINEMA


Desde a semana passa está rolando em SP a sexta edição do Festival In-Edit dedicado inteiramente ao documentário musical nacional e internacional. Para quem gosta de música e literatura, a programação inclui um documentário curto, mas cheio de pesquisa chamado A casa do Mário, de Luiz Bargmann. Não é o destaque principal da mostra (que é grande e cheio de coisas legais), mas vale a pena assistir. É um perfil singelo do escritor Mário de Andrade composto a partir de sua residência à rua Lopes Chaves, 546, na Barra Funda - onde viveu de 1921 a 1945, quando faleceu. O diretor revirou imagens de arquivo de filmes, fotografias e de peças da coleção de artes, livros e discos de música para dar conta do escritor.

Para quem não sabe, a casa ainda existe no mesmo endereço intacta as ações do tempo e desde 1990 abriga uma oficina cultural do estado voltada para áreas do texto e da literatura.

O documentário terá mais uma exibição no dia 08/05 às 18:30h na Matilha Cultural. Quem perder a exibição em tela grande, pode assistir na internet através do site INTERMEIOS FAU.

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Em tempo, outro documentário muito bonito que não está no Festival, mas vale muito a pena assistir (e não está disponível na internet) é Sobre sete ondas verdes espumantes, de Bruno Polidoro e Cacá Nazario em homenagem a vida e obra do escritor Caio Fernando Abreu. Ficou em cartaz no CCSP por uma semana e terá última exibição amanhã, às 16:30h, na Sala Paulo Emilio Salles Gomes. O ingresso custa R$ 1,00.

*Imagem: Fundo Mário de Andrade - Série Fotografia-IEB
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segunda-feira, 5 de maio de 2014

ADAPTAÇÕES

Parece que a polêmica do dia é a história da escritora Patrícia Secco que resolveu"adaptar" O alienista, de Machado de Assis e A pata da gazela, de José de Alencar para uma linguagem mais "jovem" e contemporânea. Os originais ganharam frases em ordem direta, algumas palavras foram substituídas por sinônimos mais comuns e outras foram suprimidas. A intenção era "descomplicar" a vida dos novos e jovens leitores para que eles finalmente se aproximem de livros que são cercados de um certo preconceito. Quem nunca ouviu aquela frase duvidosa: "o garoto não gosta de ler porque aos treze anos meteram-lhe Machado de Assis nas fuças; ficou traumatizado".

O lançamento dos livros físicos com distribuição gratuita será em junho, mas a versão digital está disponível para download.

Eu entendo a indignação das pessoas que foram contra a versão proposta pela escritora, afinal literatura não é apenas uma questão de 'contar uma história'. O trabalho com a linguagem é fundamental para criar um estilo, explorar a língua pátria e registrar o momento histórico de uma sociedade - pois é, a língua carrega essas marcas. Por isso, todas as escolhas de um escritor por determinadas palavras ao invés de outras, sua predileção por certas figuras de linguagem, alterações sintáticas etc., não podem ser ignoradas. Tudo o que está ali tem alguma razão de ser. Nós prejudicamos uma obra quando mudamos uma minima vírgula que seja. Ainda mais quando a obra pertence a Machado de Assis ou José de Alencar - duas figuras que levaram a nossa cultura e a nossa língua a um ponto alto na história da literatura ocidental.

Seja como for, faz tempo que essas adaptações acontecem. Me lembrei de uma coleção da Editora Scipione chamada "Série Reencontro" que também pega clássicos da literatura universal e cria versões mais 'palatáveis' para leitores mais jovens. Se não estou enganado, a coleção ainda existe. Tem peças de William Shakespeare; Odisséia, de Homero; Moby Dick, de Herman Melville; Machados de Assis; José de Alencar e outras coisas mais. Evidentemente, as versões dessa coleção são mais cuidadosas porque contam com assinatura de pessoas renomadas nas versões, supervisão de texto, notas explicativas, roteiros de leitura, questões para debate e o tempo todo fica claro que são uma adaptação distante do original. Mais recentemente, existe esse fenômeno de adaptar clássicos para versão em quadrinhos, graphic novel e tudo o mais - por que não? 

Talvez o risco da versão proposta por Patrícia Secco seja o flerte muito próximo com a obra original, sem deixar muito claro para o leitor que aquilo que ele tem nas mãos é uma adaptação. Tem uma linha bem pequena na página de créditos que diz "Texto facilitado para incentivo à leitura", mas quem lê essa página? Ao fim, o livro tem uma ficha que dá dicas de como se tornar um bom leitor. Falta contextualização, algo que possa despertar o interesse do leitor para buscar o original.

Antes que alguém diga que esse tipo de coisa só acontece no Brasil, saiba que também acontece nos Estados Unidos. Deve acontecer na Europa também.

Sinceramente, acho o gesto válido e não vejo problemas desde que o leitor saiba que ele não está lendo a obra original. Também é preciso tomar um cuidado para não causar desvios linguísticos graves e criar um negócio mal feito - tai um negócio que causa no leitor uma má impressão difícil de apagar. Há que se ter um domínio grande da língua para manter um estilo firme e não criar um Frankenstein. Adaptar não é uma tarefa tão fácil quanto parece. No caso de escolas adotarem a versão, a professora deve alertar o aluno sobre a adaptação e orientar a leitura para que ninguém compre gato por lebre.

Só não sei se isso vai mesmo aproximar jovens de Machado de Assis ou José de Alencar. Acho que existe um certo mito em relação aos dois escritores. Curiosamente, na pesquisa Retratos da leitura no Brasil, de 2011, Machado de Assis é o segundo escritor brasileiro mais admirado - só perde para Monteiro Lobato - e Dom Casmurro é o sexto livro mais marcante na vida dos entrevistados. Pasmem: ao responderem a questão "qual a principal razão para você estar lendo menos do que já leu?" 78% dos entrevistados alegaram falta de interesse e apenas 15% responderam dificuldade, sendo que o item é dividido por quatro categorias (10% tem limitações físicas; 2% lê muito devagar; 2% não tem concentração para ler; 1% tem dificuldades de compreensão ao ler). 

Resta a pergunta: será que os jovens leitores tem dificuldade para ler ou, na verdade, estão desinteressados? Uma adaptação sozinha não faz verão.

PS.: uma vez vi o Antônio Abujamra, no programa Provocações, dizendo para um entrevistado "Se você não entendeu Machado de Assis o problema é com você, não é com ele" (to citando de memória - pode haver incorreções). Pois é...

*Imagem: reprodução.
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